CARTAS QUE NÃO TE ESCREVI

Olavo gostaria de estar no Caribe agora, bebericando um drink, apreciando o pôr do sol, e de preferência cercado de belas mulheres.
A primeira vez que ele foi a Isla Verde tinha dezoito anos, era um campeonato mundial de Surf em 1968, e desde então sempre que podia, ia visitar aquelas ilhas paradisíacas.
A mente de Olavo viajava agora, lembrando-se daquelas águas límpidas, areias e ondas incríveis. Parecia que ainda escutava o barulho delas, sentindo no corpo o frescor da espuma salgada.
Lembrar era o que mantinha Olavo vivo naquela cama... E havia Tchitula, uma linda angolana da tribo Ovimbundu. A bela tinha os olhos da cor do céu, e a pele da cor da noite. Trabalhava de garçonete no bar do hotel de noite, e de dia levava os turistas a passeios. Tinha uma voz de sonho, falava vários idiomas, e era uma incansável!

Discutir agora as desigualdades sociais seria cansativo, o caso é que Olavo tinha uma admiração tal, que caiu logo de amores pela moça, o que Tchitula correspondeu plenamente.

Filho de rico empresário carioca, o jovem podia se dar ao luxo de sair pelo mundo, e assim que acabou a faculdade foi o que fez, levando a Tchitula consigo.
Seus olhos ficam embargados ao recordar-se daqueles tempos: "Como queria estar no Caribe agora. Mesmo sabendo que ela não estaria mais lá, poderia fazer de conta que ela chegaria logo... Talvez sentisse melhor a presença dela em meio aquele lugar, onde fomos tão felizes." 
Depois de tantas décadas, ainda doía pensar na perda da mulher que amava. Quantas vezes Olavo se perguntou: “se não tivesse a deixado retornar para a África, talvez fosse diferente agora. Ela podia estar viva ainda".
— Preciso ir meu amor. Minha gente precisa de mim, tem séculos que brigamos por independência agora é a chance de Angola. Os meus irmãos querem que eu vá e eu vou, é importante. — Dizia a moça com convicção.
Pensando hoje naqueles dias, Olavo percebe que era um egoísta, que só via o que queria e Tchitula não, ela tinha consciência da realidade crua que assolava a África, e da importância que era a contribuição dela como cidadã. Ela era franzina, mas tinha força e muita persistência, e costumava dizer-me que eu não tinha noção do que acontecia no mundo. — Há tantas outras realidades do lado de fora de nós, tantas que me sentiria culpada se as ignorasse. Não sei se faço a diferença, mas faço o que posso para levar alguma dignidade aos meus iguais. Tampouco sou heroína, pois há muitos como eu, tentando resgatar direitos civis para os países da África, e ainda temos que contornar os conflitos internos religiosos. Somos parte de um povo antigo e escravizado por velhos hábitos e crenças.
"Eu fiquei tão desesperado, que faria qualquer coisa para que ela não fosse".
— Eu vou com você então! — Surpresa a moça retruca.
— Você é doido, já viu esta sua cor de branquelo puro no espelho? Risos...
— Fazemos assim, além do meu contato telefônico, te deixo um endereço, se acaso não conseguir te atender, você me escreve que mais cedo ou mais tarde eu recebo suas cartas. Quando isso acabar eu volto meu amor. 
 Prometeu a moça com beijos e abraços. 
Olavo e Tchitula se casaram em 1975, e a seguir ela retornou ao país de origem.
A separação de Tchitula foi muito triste, e mais triste ainda foi receber a notícia de sua violenta morte na guerra civil de Angola.
Sem ter o que fazer mais, Olavo volta ao Brasil e assume os negócios do pai, se jogando no trabalho.
Seus pensamentos são interrompidos por uma suave voz feminina.
— Hora da hemodiálise Olavo. Vamos?
E Olavo que não fala, e nem anda sozinho, é levado para a sala de medicação.
“Que saudades de você meu amor! Se existe mesmo isso de outras vidas Tchitula, um dia eu vou te encontrar e falar tudo que não te disse, nas cartas que não te escrevi."


#Guerreiraxue



Imagem net
TCHITULA – É alguém que nasceu numa aldeia nova.
                                                                                                       
                                                             

Comentários

  1. Uma carta muito inspiradora, pelo mundo a fora existem muitos vestígios no tempo de amores separados prematuramente mas que o tempo não foi capaz de apagar. Obrigado pela linda partilha abraços do teu irmão do lado de cá "Angola".

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