HISTÓRIAS ESQUECIDAS

Ele era garoto ainda, e morava na cidade de São Paulo.
Não sabia quem era a mãe, tampouco conheceu o pai e desde que se lembrava, ele se via no orfanato. E como outros tantos, chegou sem nome, sem referencia, nu e com muita fome.
 Mais um abandonado com quem se dividiria  a comida, a roupa, a atenção e um quarto.
E lá o garoto cresceu, aprendeu a ler, a trabalhar, rezar e se deixar humilhar. 
Entendeu algumas coisas, outras nem tanto.

Descobriu que alguns entre os seus iguais,  consideravam-se especiais, e esses privilegiados destacavam-se sobre os demais. Soube também que suas opções não seriam tantas quanto ele gostaria que fossem, mas também não seria o caso de se fechar para as oportunidades. 

O nome do indivíduo era João de Deus; "por que João de Deus, meu Deus? Podia ser da Silva, ou Dias, ou Costa, mas não, era de Deus". Será porque ele era de ninguém, e sendo de Deus, assim ele era de alguém? 
Havia quem era adotado por estrangeiros que vinham em visitas regulares e o João ia crescendo, e não era escolhido. Ora era pequeno demais, magro demais, e quando cresceu, era grande demais.
E João de Deus então aprendeu o ofício de padeiro e quando chegou a idade de sair do orfanato, deveria o jovem logo se arranjar. Como não tinha para onde ir, as freiras arrumaram um trabalho numa padaria cujo o dono fornecia pão todos os dias para as crianças.
O dono da padaria que estava mesmo precisado, arrumou um quartinho nos fundos para ele se acomodar e ali o João agradeceu... Não havia mais nada a esperar, esse era seu novo lar.
E naquela padaria era onde o garoto vivia, e só parava de trabalhar quando dormia. 
O tempo passou, o dono da padaria morreu, e como nunca pagou dinheiro para João pelos serviços prestados, deixou-lhe a metade da padaria, com a condição de que ele continuasse no ofício, ajudando os filhos à administrar o estabelecimento.
Vale saber que, nunca o padeiro deixou de enviar pão para o orfanato. E as pessoas do bairro conheciam-no e também ao menino João que  fazia de tudo, desde lavar o chão, amassar o pão, fazer as entregas e até fechar o caixa no fim da noite.
 
O negócio da padaria cresceu, abriram filiais e João de Deus ganhava bem agora, tanto que podia até ter sua própria casa, mas ele só arrumou melhor o cômodo onde morava. Uma coisa que poucos sabiam, era que contribuía mensalmente com uma quantia do salário ao orfanato onde cresceu. E na folga era o único lugar que ele visitava.
Os filhos do falecido padeiro tinha em João um irmão, por que? Nem ele sabia responder. 

O "de Deus" nunca casou e não teve filhos. talvez não quisesse, talvez ninguém o achasse interessante. Mas o João era muito interessante.
Ele se apaixonou pela primeira vez no orfanato, e a garotinha era muito pequenina, e chorava tanto que João vivia de mãos dadas com ela. Dizia-lhe que não tivesse medo, que ele a protegeria para sempre. Só que o sempre não durou mais que seis meses, um dia veio uma família de outro País e a levou para longe, e isso sim foi para sempre. João teve outras paixões platônicas e outras nem tanto.  O fato é que ninguém queria era dividir um quartinho dos fundos com o indigente. pois agora, o quartinho era praticamente uma casa e bastante confortável.

E ele ficou velho e só até o dia em que faleceu, porque no seu enterro havia tanta gente que parecia haver morrido um estadista e não um simples João de Deus.

#Guerreiraxue


No Brasil, existem 34,6 mil crianças e adolescentes que vivem em casas de acolhimento e instituições públicas. Deste total, apenas 4,9 mil estão disponíveis para adoção, e 2,4 mil em processo de adoção. E existem 36,7 mil pessoas na fila de espera para adotar uma criança. 
Fonte: https://tinyurl.com/y3f3sgsb

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