O FANTASMA
Dizer que eles existem de certeza, seria um tanto quando prematuro, já que vivemos dentro de uma escala onde só a massa corpórea vale e ainda temos uma vidinha breve dentro da mesma.
As igrejas constantemente pregam o céu e o inferno, então se almas existem, talvez os fantasmas também! E quando diz-se "talvez", é porque quando se trata do invisível não temos certeza absolutamente nada.
Lembro-me de uma casa antiga que havia, no morro de Santa Teresa, em Porto Alegre. As pessoas diziam que essa era datada do tempo do império e no subsolo havia uma enorme senzala, os moradores do bairro costumavam dizer que quando passavam perto das ruínas abandonadas ouviam barulhos de correntes sendo arrastadas, gemidos, choros. Eu as vezes passava em frente e nunca ouvi nada de diferente, mas, aquilo me arrepiava todinho.
“Existem também as ruínas nas missões jesuítas, no interior do Rio Grande Do Sul, e é bem comum as pessoas sentirem a presença mística do lugar. De minha parte só posso garantir que não estamos sós, agora quem é que anda conosco, isso eu não sei”.
Agora quero contar do seu Chico, um velhote esperto e muito bem quisto por todos na comunidade. Adora contar suas histórias de fantasmas e podíamos conversar com ele até altas horas que nunca faltava assunto.
Ele nos contava fatos incríveis! Quando cresci, fui estudar na capital e me lembrando do Seu Chico, eu sentia mesmo muita falta das noitadas. Mas, quando chegava as férias, encontrávamo-nos todos de volta na nossa vila e corríamos visitar, adivinha quem? O seu Chico.
No dia do aniversario dele íamos em sua casa mesmo sem sermos convidados, e quem ganhava presente éramos nós. A mulher, dona Mariana, fazia um pão de panela muito bom! Eles não tinham filhos acho que por isso é que gostavam tanto de nos reunir todos em sua volta.
Teve um ano que o seu Chico não estava lá, uma perda irreparável para os meninos da época. Nas férias que seguiram, o que se ouvia na vila, era que ele, o seu Chico, virara um fantasma, porque mesmo que ninguém nunca mais vira seu corpo, a brisa da noite trazia murmúrios que faziam lembrar a voz gasta do velho, contando em surdina as suas histórias do além.
E dessa vez quando chegou o aniversário dele, não fizemos diferente: mau grado a tristeza em que dona Mariana andava, que estava morrendo de saudade do velho companheiro. E lá estava ela à nossa espera com o pão de panela quentinho, tão apetitoso quanto a nossa memória nos permitia recordar.
Então quem começou a contar a história desta feita foi eu.
As igrejas constantemente pregam o céu e o inferno, então se almas existem, talvez os fantasmas também! E quando diz-se "talvez", é porque quando se trata do invisível não temos certeza absolutamente nada.
Lembro-me de uma casa antiga que havia, no morro de Santa Teresa, em Porto Alegre. As pessoas diziam que essa era datada do tempo do império e no subsolo havia uma enorme senzala, os moradores do bairro costumavam dizer que quando passavam perto das ruínas abandonadas ouviam barulhos de correntes sendo arrastadas, gemidos, choros. Eu as vezes passava em frente e nunca ouvi nada de diferente, mas, aquilo me arrepiava todinho.
“Existem também as ruínas nas missões jesuítas, no interior do Rio Grande Do Sul, e é bem comum as pessoas sentirem a presença mística do lugar. De minha parte só posso garantir que não estamos sós, agora quem é que anda conosco, isso eu não sei”.
Agora quero contar do seu Chico, um velhote esperto e muito bem quisto por todos na comunidade. Adora contar suas histórias de fantasmas e podíamos conversar com ele até altas horas que nunca faltava assunto.
Ele nos contava fatos incríveis! Quando cresci, fui estudar na capital e me lembrando do Seu Chico, eu sentia mesmo muita falta das noitadas. Mas, quando chegava as férias, encontrávamo-nos todos de volta na nossa vila e corríamos visitar, adivinha quem? O seu Chico.
No dia do aniversario dele íamos em sua casa mesmo sem sermos convidados, e quem ganhava presente éramos nós. A mulher, dona Mariana, fazia um pão de panela muito bom! Eles não tinham filhos acho que por isso é que gostavam tanto de nos reunir todos em sua volta.
Teve um ano que o seu Chico não estava lá, uma perda irreparável para os meninos da época. Nas férias que seguiram, o que se ouvia na vila, era que ele, o seu Chico, virara um fantasma, porque mesmo que ninguém nunca mais vira seu corpo, a brisa da noite trazia murmúrios que faziam lembrar a voz gasta do velho, contando em surdina as suas histórias do além.
E dessa vez quando chegou o aniversário dele, não fizemos diferente: mau grado a tristeza em que dona Mariana andava, que estava morrendo de saudade do velho companheiro. E lá estava ela à nossa espera com o pão de panela quentinho, tão apetitoso quanto a nossa memória nos permitia recordar.
Então quem começou a contar a história desta feita foi eu.
—Depois que construíram a nova ponte que liga a ilha ao continente, a velha balsa foi aposentada, e com ela o balseiro Manuel que também foi dispensado. Esse era um velho entrado em dias que tinha por companhia um cão. Com o movimento de seu trabalho ele antes sempre tinha com quem conversar. Agora aposentado e sem atividade o homem ficara solitário em sua casinha modesta ali mesmo, na velha balsa que além de servir de trabalho, era essa também o seu lar. Sem precisão da balsa pouca gente o via agora, porque ele só ia uma vez ou duas por mês na vila pegar provisões.
Um dia o dono do armazém comentou que o balseiro Manuel não parecia ja tinha quase dois meses.
Não foi surpresa quando um dia por acaso ele foi encontrado morto em sua cama, e segundo o médico legista, ele havia morrido há vários dias. A casa da balsa virou ruínas desde então e foi de vez abandonada.
Passados uns seis meses, as coisas começaram a mudar gradativamente.
Os pescadores que de vez em quando passavam por lá percebiam barulhos estranhos. Pensavam esses que podiam ser um passante qualquer que resolveu se aboletar por lá por um dia ou dois.
Era uma cidade pequena e todos se conheciam. Vadios e andarilhos apareciam com frequência, e se iam em seguida. Enfim...
Era um final de tarde quando, aquela senhora estranha apareceu no armazém. Ninguém nunca havia visto ela por ali. O dono da venda surpreso, correu cumprimentá-la e se prontificando a servi-la fez as perguntas de praxe; — Precisa que entregue suas compras senhora? — respondendo que não, ela simplesmente pagou, e com suas sacolas se foi na direção ao rio. Ia acompanhada de um cão. Mas espera, era o cão do velho Manuel! Sem dúvida, era o cão do falecido Manuel.
Quando ficaram sabendo que havia alguém morando na balsa, ficaram curiosos e foram mais que depressa tirar satisfação com aquela invasora. Era interessante a atitude protetora daquele cão para com ela. Pois quando lá chegaram, o cão não os deixou entrar. O cachorro que tinha sido do Manuel desde que nascera, e estava naquele momento, pronto para atacar se preciso fosse, para defender a estranha.
Seria ela alguma parenta do velho Manuel? Pouco provável, pois ele vivera anos ali e nunca ninguém de fora o visitava.
— Olá senhora. Que fazes na casa da balsa?— A mulher olha calmamente para os curiosos e diz: — Entrem, que explico com calma para todos. — Entraram, e sentaram-se onde dava naquela simplória choupana. A mulher tinha uma água quente e serviu-lhes chá, e prosseguiu: — Sou de uma cidadezinha do norte, não muito distante daqui, e perdi tudo que tinha numa grande enchente há seis meses. Como sou sozinha no mundo, o governo achou que não era prioridade me ajudar a reconstruir minha casa. A opção que eu tinha era ir para casa de algum familiar estranho ou ir para um abrigo, desses, de gente triste e solitária. Então pensei, Já que não tenho mais casa, posso viver em qualquer lugar. Peguei o que me restava de bens e sai a andar pelo mundo. E foi andando que cheguei aqui.
Abismados eles perceberam que a mulher não era tão jovem quanto parecia e um pergunta-lhe; — Como a senhora chegou a esta balsa?
— Foi curioso isso. Eu parei no meio daquela ponte a ver os raios de sol da tardinha refletindo na água, era muito bonito sabe. Por um momento eu senti uma tontura, e sem ter onde me segurar direito eu cai no rio, ia me afogando mesmo quando senti algo me puxando, devo ter desmaiado, pois já era noite quando me vi na margem e tinha este cachorro me lambendo a cara. Ele latia muito e era tão insistente que me obriguei, com muita dificuldade, a levantar e segui-lo. Vim parar aqui nesta balsa. Quando entrei tinha um senhor, que nos esperava com fogo e uma caneca de chá quente. Me lembro que ele me ajudou a despir a roupa molhada, me fez beber o chá e cobriu-me de cobertores com uma delicadeza que me pareciam mais um amor de pai. Parecia um sonho, eu podia mesmo estar morta aquela hora que não me importava. Dormi muito, e quando acordei não o vi o tal senhor mais por vários dias, só não pensava mais que havia sido sonho porque estava de verdade onde me vi, numa casa da balsa.
Eu fui ficando porque ninguém veio reclamar propriedade, e por ser tranquilo. E o tal senhor de vez em quando aparece. Ele fica pescando calado lá na ponta da balsa. Eu faço chá, levo e faço-lhe companhia. Os ouvintes atentos perguntaram; —A senhora sabe o nome do tal homem?
— Ele não disse alias, ele nem fala, só vem pescar e acaba deixando o peixe que pesca para mim. — Quem diabo seria esse? — perguntavam-se. —Esta balsa minha senhora, está abandonada faz tempo, e o dono morreu aqui, esquecido pelo mundo. E quando o encontramos mal conseguimos juntar-lhe a carcaça para dar-lhe um enterro decente.— Admirada e senhora retruca.
— Olha que este senhor não está morto, disto tenho certeza! Um dia quando ele vier eu peço para irmos até a cidade e vocês o verão.
Ao concluir a conversa e o chá, os homens se foram. Permitiram aquela senhora ficasse na cabana, pois essa estava limpa e cheirosa. Os moradores daquela cidade gostavam muito do barqueiro e todos concordavam que o velho Manuel devia ter arrumado mulher em vida, pois teria sido infinitamente mais feliz.
Aquela senhora morou muitos anos ali. Até fez um jardim em volta da prainha onde estacionava a balsa. E Ela nunca levou o tal sujeito a cidade para que as pessoas o vissem. Alguns diziam que era mentira aquela história, outros porém, diziam que ela descreveu direitinho o velho Manuel. São tantos os mistérios que cercam-nos, é por isso que pairam dúvidas, vai saber?
Dona Mariana que escutou a história deu um leve riso e disse — Aprendeste com Chico a contar essas histórias garoto?— Emocionado, acenei que sim e com a voz embargada: — Fantasma ou não, ele sempre estará conosco. É por isso que os fantasmas existem, porque os amamos e não queremos que sejam esquecidos.
—Muito obrigada por virem festejar comigo o aniversario do meu Chico. Depois de trocas de cumprimentos e abraços fraternos fomos todos para nossas respectivas casas. E antes de dormir eu pensei: — O danado do seu Chico, não é que ele estava lá o tempo todo!
Não foi surpresa quando um dia por acaso ele foi encontrado morto em sua cama, e segundo o médico legista, ele havia morrido há vários dias. A casa da balsa virou ruínas desde então e foi de vez abandonada.
Passados uns seis meses, as coisas começaram a mudar gradativamente.
Os pescadores que de vez em quando passavam por lá percebiam barulhos estranhos. Pensavam esses que podiam ser um passante qualquer que resolveu se aboletar por lá por um dia ou dois.
Era uma cidade pequena e todos se conheciam. Vadios e andarilhos apareciam com frequência, e se iam em seguida. Enfim...
Era um final de tarde quando, aquela senhora estranha apareceu no armazém. Ninguém nunca havia visto ela por ali. O dono da venda surpreso, correu cumprimentá-la e se prontificando a servi-la fez as perguntas de praxe; — Precisa que entregue suas compras senhora? — respondendo que não, ela simplesmente pagou, e com suas sacolas se foi na direção ao rio. Ia acompanhada de um cão. Mas espera, era o cão do velho Manuel! Sem dúvida, era o cão do falecido Manuel.
Quando ficaram sabendo que havia alguém morando na balsa, ficaram curiosos e foram mais que depressa tirar satisfação com aquela invasora. Era interessante a atitude protetora daquele cão para com ela. Pois quando lá chegaram, o cão não os deixou entrar. O cachorro que tinha sido do Manuel desde que nascera, e estava naquele momento, pronto para atacar se preciso fosse, para defender a estranha.
Seria ela alguma parenta do velho Manuel? Pouco provável, pois ele vivera anos ali e nunca ninguém de fora o visitava.
— Olá senhora. Que fazes na casa da balsa?— A mulher olha calmamente para os curiosos e diz: — Entrem, que explico com calma para todos. — Entraram, e sentaram-se onde dava naquela simplória choupana. A mulher tinha uma água quente e serviu-lhes chá, e prosseguiu: — Sou de uma cidadezinha do norte, não muito distante daqui, e perdi tudo que tinha numa grande enchente há seis meses. Como sou sozinha no mundo, o governo achou que não era prioridade me ajudar a reconstruir minha casa. A opção que eu tinha era ir para casa de algum familiar estranho ou ir para um abrigo, desses, de gente triste e solitária. Então pensei, Já que não tenho mais casa, posso viver em qualquer lugar. Peguei o que me restava de bens e sai a andar pelo mundo. E foi andando que cheguei aqui.
Abismados eles perceberam que a mulher não era tão jovem quanto parecia e um pergunta-lhe; — Como a senhora chegou a esta balsa?
— Foi curioso isso. Eu parei no meio daquela ponte a ver os raios de sol da tardinha refletindo na água, era muito bonito sabe. Por um momento eu senti uma tontura, e sem ter onde me segurar direito eu cai no rio, ia me afogando mesmo quando senti algo me puxando, devo ter desmaiado, pois já era noite quando me vi na margem e tinha este cachorro me lambendo a cara. Ele latia muito e era tão insistente que me obriguei, com muita dificuldade, a levantar e segui-lo. Vim parar aqui nesta balsa. Quando entrei tinha um senhor, que nos esperava com fogo e uma caneca de chá quente. Me lembro que ele me ajudou a despir a roupa molhada, me fez beber o chá e cobriu-me de cobertores com uma delicadeza que me pareciam mais um amor de pai. Parecia um sonho, eu podia mesmo estar morta aquela hora que não me importava. Dormi muito, e quando acordei não o vi o tal senhor mais por vários dias, só não pensava mais que havia sido sonho porque estava de verdade onde me vi, numa casa da balsa.
Eu fui ficando porque ninguém veio reclamar propriedade, e por ser tranquilo. E o tal senhor de vez em quando aparece. Ele fica pescando calado lá na ponta da balsa. Eu faço chá, levo e faço-lhe companhia. Os ouvintes atentos perguntaram; —A senhora sabe o nome do tal homem?
— Ele não disse alias, ele nem fala, só vem pescar e acaba deixando o peixe que pesca para mim. — Quem diabo seria esse? — perguntavam-se. —Esta balsa minha senhora, está abandonada faz tempo, e o dono morreu aqui, esquecido pelo mundo. E quando o encontramos mal conseguimos juntar-lhe a carcaça para dar-lhe um enterro decente.— Admirada e senhora retruca.
— Olha que este senhor não está morto, disto tenho certeza! Um dia quando ele vier eu peço para irmos até a cidade e vocês o verão.
Ao concluir a conversa e o chá, os homens se foram. Permitiram aquela senhora ficasse na cabana, pois essa estava limpa e cheirosa. Os moradores daquela cidade gostavam muito do barqueiro e todos concordavam que o velho Manuel devia ter arrumado mulher em vida, pois teria sido infinitamente mais feliz.
Aquela senhora morou muitos anos ali. Até fez um jardim em volta da prainha onde estacionava a balsa. E Ela nunca levou o tal sujeito a cidade para que as pessoas o vissem. Alguns diziam que era mentira aquela história, outros porém, diziam que ela descreveu direitinho o velho Manuel. São tantos os mistérios que cercam-nos, é por isso que pairam dúvidas, vai saber?
Dona Mariana que escutou a história deu um leve riso e disse — Aprendeste com Chico a contar essas histórias garoto?— Emocionado, acenei que sim e com a voz embargada: — Fantasma ou não, ele sempre estará conosco. É por isso que os fantasmas existem, porque os amamos e não queremos que sejam esquecidos.
—Muito obrigada por virem festejar comigo o aniversario do meu Chico. Depois de trocas de cumprimentos e abraços fraternos fomos todos para nossas respectivas casas. E antes de dormir eu pensei: — O danado do seu Chico, não é que ele estava lá o tempo todo!
Adorei todos os teus fantasmas, mas muito especialmente o Tí Manuel. Não é que me emocionou? Fossem todos os fantasmas como ele. Agradeço-te querida amiguinha Hilda, o me teres dado conhecimento da sua existência. Pode ser que quando também passar ao estado de fantasma, nos encontremos.
ResponderExcluirUma maravilha o teu conto. Manda mais destes!
Para que passes a constar do meu "Comentários em poemas" , no "Alma Mineira", vai esta fantasmagórica quadra:
Fantasmas, todos nós temos,
uns são "Medos", outros não,
depende do que nós cremos,
também da imaginação.
Montes de abraços, Hildinha.
Muito obrigada por abrilhantar mais inda meu conto amigo Zé.Tomara que eu possa escrever muito e bem e que me renda comentários como este.:-)
ResponderExcluirAdmiro quem sabe contar uma boa história, acho genial mesmo! Beijos e bom domingo. ;) https://botecodasletras2.blogspot.com/
ResponderExcluir