MARIA PERNAS DE SARACURA
Quando a Maria pernas de saracura apareceu pela primeira vez
naquela escola foi um alvoroço geral, pois todos achavam-na magra demais, escura demais, feia demais,
desengonçada mesmo. E ao caminhar então! Parecia que só tinha pernas, uma saracura.
As meninas a ignoravam-na, nem todas claro, pois tinha uma que
fazia questão de dizer, de maneira rude e direta, ao mencionar que não andava
com negra.
O grupo das negras era fechado, não a aceitavam por ela não ser da
"família", afinal era nem era negra. Os meninos faziam tanta troça de suas pernas que, toda vez que por
ela passavam, convidavam-na para pescar, sendo ela o caniço da pesca
evidentemente. A menina tinha uma cor bronzeada inverno e no verão ficava mais escura ainda, seus cabelos
fartos lisos e negros, tinha também uma boca grossa, o que rendia-lhe mais
apelidos, e eram do tipo "beiçuda, gamela, boca de galocha, bicuda, etc...
etc.."
Óh vidinha cruel!
Maria chorava de raiva dos colegas, e de pena de si. Muitas foram as
vezes que brigara na escola, e pasmem, a "pernas de saracura" batia
em que quisesse. Com o tempo ela se rendeu e costumou-se a estar só, por força das circunstâncias, o que causava mais estranheza em sua pessoa. Esses foram anos difíceis até passar a adolescência.
Mas um dia o tempo passa e a idade vai moldando o corpo, e já com
16 anos Maria foi abordada em pleno calçadão de Porto Alegre por uma moça que
deu-lhe um cartão para fazer um teste para fotografia. Ela não podia estar mais
surpresa, como ela podia fazer qualquer teste para fotografia se era ridiculamente
feia? "Não vai te custar nada" Disse a moça.
Passado dois dias Maria foi, acompanhada da mãe, para fazer o tal teste, e para a sua
surpresa, ela foi contratada para ser modelo de revistas, pois para passarela
não tinha altura ideal.
Os primeiros cachês não eram lá grandes coisas mas, à medida que
apareciam novas ofertas, as cifras também aumentavam. E Maria fazia comerciais de cosméticos, roupas, sapatos, perfumes...
A pernas de saracura custeou sua universidade com louvor,
adquiriu também bens móveis e propriedades.
Maria nunca mais viu ninguém daquela época, pois a vida deu-lhe um
rumo diferente e foi para longe da adolescência. Hoje ela é uma mulher madura, linda e bem
sucedida, mas ainda traz dentro de si a Maria pernas de Saracura, a negra
que não era negra, o caniço, a boca de galocha, pois acha que isso dá-lhe um
certo equilíbrio.
Que dizer dos tempos de escola? Quase nada, pois foi um alivio ter terminado.
Tem momentos que Maria se lembra de uma frase da avó, e ri:
“Se nem tudo que brilha é ouro, nem tudo que cheira é merda.”
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