A MORTE DA FÉ

É fim de tarde, e as crianças correm pelo passeio do parque. Mais um dia quente que se vai. Os balanços vão às alturas com os gritos de alegria dos pequenos, enquanto suas mães conversam sobre os assuntos mais variados, as bicicletas correm livremente para lá e cá. Todos os dias são assim nessa cidadezinha de interior que mais parece o paraíso na terra.

Mais adiante dois velhotes jogavam cartas na pacata Praça dos Pombos
— É sua vez, joga logo velho — Dizia um — Espera que, eu estou pensando aqui —Dizia ou outro.
— Pensando em que, a morte da bezerra é? — Não, eu penso na morte da fé. — O outro se riu. — Que tu quer dizer? Entre em qualquer igreja da cidade e verás como estão lotadas de "crentes” cheios fé. Gente com fé demais é o que mais tem por todo canto.
— Tem razão, as igrejas estão lotadas sim, mas, de covardes que pensam que estão a salvo das guerras e da miséria que assola o mundo. Pessoas egoístas que só pensam na própria barriga, que se escondem dos problemas da sociedade que os cercam, e com isso estão esperando uma espécie de milagre do divino espírito santo.
Quem tem fé, tem coragem para assumir seus sentimentos. Quem tem fé tem atitude, e contribui para a mudança do mundo, e mudar o mundo não é se esconder dele.
O amor está superficializado em relações descartáveis, a lealdade passa longe de tudo, e o homem tornou-se uma ilha deserta, seco e faminto de tudo que ele mesmo matou.
— Então está bem, amanhã tu levanta cedo e sai à rua, tente exercer esta fé de que falas para vermos o que acontece. Existem várias possibilidades de morreres: Podes ser assaltado por um garoto que, por causa de um celular te enfia um tiro bem no meio das fuças, ou também pode ser uma bala perdida que fatalmente te ache, e ninguém vai querer nem saber de onde ela veio, então se for da polícia ou não, tanto faz. O que manda meu velho é o tamanho da ganância, porque o resto é só conversa de candidato.
— Estás certo, a ganância faz a guerra, produz à fome, as armas, as drogas, e arranca a alma de dentro do homem.
— No fim das contas nós dois também estamos incluídos entre os covardes, não é verdade?
— De certa maneira sim, pois todos nós somos criados para ter medo. Medo de dizer o que pensamos, dizer o que sentimos realmente, de fazer o que se deve, e justamente por causa do medo é que o mundo anda nesta bagunça. Tu já imaginaste se tudo tivesse algum valor?
— Como assim? Tudo já tem seu valor, e custa bem caro.
— Eu digo, se tudo tivesse o mesmo valor. Tanto faz tu comprares uma comida, como pagar por uma roupa, ou morar na zona sul ou zona leste da cidade?
— Entendi, então ficaríamos sem os ricos, é isso?
— ... E sem pobres, que tal? Existem muitos excessos na sociedade. A moderação seria uma medida estratégica de igualdade social, e igualdade social se faz com fé, fé em mim, em tu, e em todos a nossa volta. — Estupefato o amigo velho prossegue: — Acorda velho e joga de uma vez, porque este mundo da tua cabeça vai demorar em acontecer.
E a vida prossegue pelo passeio, na praça do pombo, em mais um fim de tarde.

@Guerreira Xue

 

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