Concerto Para Cavalos
I
Estes cavalos de vento,
gigantes de patas mágicas,
cobrem os desvãos dos signos
com o seu resfolegar.
Lambem as vulvas das loucas,
com sua aguda linguagem,
inaugurando evangelhos
de intensas e novas águas.
O galope dos cavalos
açoita sonhos no rei.
À luz subsistem lembranças
de um tempo livre, sem leis.
Rincha o vento da lembrança.
(Sopranos: era uma vez...)
II
Depois soprou a vastidão
trazendo o Quixote insano.
Seu galope de delírios
deu à Europa novos planos.
Jamais a um cavalo coube
transformar a tradição
com o açoite do relâmpago,
luz que ofusca a escuridão.
Páginas coloquiais
de um xadrez ultrapassado
a povoar o futuro
dos brasões assinalados.
Rincha o vento do futuro.
(Barítonos: o passado...)
III
Medulas modulam musas.
Na mesma mesa, Medusa.
Magras, mórbidas Medeias,
éguas escassas e ruças.
Exército de cavalos
russos, velozes e rubros.
Ribombar do Apocalipse,
aurora de rosas turvas
Destronar e transformar:
Meu cavalo por um reino!,
assim falou Myriam Fraga,
que ora tem cavalo e reino.
E relincha o vento em fragas.
(Tenores: tudo está feito!)
IV
Sobre esbraseados muros,
nas tardes de Samarcanda,
o rei trota seu ginete,
Sherazade inventa tramas.
Antes que se alastre o nunca,
vil Nabucodonosor,
Sherazade cria mirantes
contando histórias de amor.
Sobre ensombreadas torres,
nas manhãs de Aldebarã,
um rei trota cem corcéis.
No rio, coaxa a rã.
Rincham ventos menestréis.
(Coro uníssono: manhã!)
V
Fareja o livro da morte
e desperta tuas brasas.
Atiça fogo nas torres,
dobra os sinos, abre as asas.
O vento escoiceia a tarde.
Desesperada salsugem
alimenta a longa página,
livro da vaca que muge.
De espinhos, nos espelhos,
a sombra se embelezava,
transformando a morte em cena
de um teatro de fantasmas.
Zé Ramalho ergue uma prece.
(Relincham todas as almas.)
VI
Era um cavalo de luas,
corcel de pelos de livro.
De fogo, a sua memória.
Seu peito, de versos livres.
Nutria-se do que lia.
Quanto mais lia, sentia
eriçar pelos e crinas
como quem ama Maria.
Seu coração disparava
trespassado de euforia.
Era um deus que galopava
e o Universo sorria.
(Relincham todos cavalos:
uma Ode à Alegria.)
VII
Depois, a loucura, em lavas,
lambia os musgos das asas,
limpava bem suas patas,
reluzentes sobre as vagas.
Cavalos soltos e afoitos.
Açoites dentro da noite
sobre telhados atônitos,
sobre gemidos e coitos.
Bem dentro da escuridão,
uma luz, um livro ardia.
Nas lonjuras do Sertão,
um jovem poeta lia.
(Estrelas, constelações,
relinchando fantasias.)
José Inácio Vieira De Melo
Do livro "Sete" (Editora 7Letras, 2015)
Estes cavalos de vento,
gigantes de patas mágicas,
cobrem os desvãos dos signos
com o seu resfolegar.
Lambem as vulvas das loucas,
com sua aguda linguagem,
inaugurando evangelhos
de intensas e novas águas.
O galope dos cavalos
açoita sonhos no rei.
À luz subsistem lembranças
de um tempo livre, sem leis.
Rincha o vento da lembrança.
(Sopranos: era uma vez...)
II
Depois soprou a vastidão
trazendo o Quixote insano.
Seu galope de delírios
deu à Europa novos planos.
Jamais a um cavalo coube
transformar a tradição
com o açoite do relâmpago,
luz que ofusca a escuridão.
Páginas coloquiais
de um xadrez ultrapassado
a povoar o futuro
dos brasões assinalados.
Rincha o vento do futuro.
(Barítonos: o passado...)
III
Medulas modulam musas.
Na mesma mesa, Medusa.
Magras, mórbidas Medeias,
éguas escassas e ruças.
Exército de cavalos
russos, velozes e rubros.
Ribombar do Apocalipse,
aurora de rosas turvas
Destronar e transformar:
Meu cavalo por um reino!,
assim falou Myriam Fraga,
que ora tem cavalo e reino.
E relincha o vento em fragas.
(Tenores: tudo está feito!)
IV
Sobre esbraseados muros,
nas tardes de Samarcanda,
o rei trota seu ginete,
Sherazade inventa tramas.
Antes que se alastre o nunca,
vil Nabucodonosor,
Sherazade cria mirantes
contando histórias de amor.
Sobre ensombreadas torres,
nas manhãs de Aldebarã,
um rei trota cem corcéis.
No rio, coaxa a rã.
Rincham ventos menestréis.
(Coro uníssono: manhã!)
V
Fareja o livro da morte
e desperta tuas brasas.
Atiça fogo nas torres,
dobra os sinos, abre as asas.
O vento escoiceia a tarde.
Desesperada salsugem
alimenta a longa página,
livro da vaca que muge.
De espinhos, nos espelhos,
a sombra se embelezava,
transformando a morte em cena
de um teatro de fantasmas.
Zé Ramalho ergue uma prece.
(Relincham todas as almas.)
VI
Era um cavalo de luas,
corcel de pelos de livro.
De fogo, a sua memória.
Seu peito, de versos livres.
Nutria-se do que lia.
Quanto mais lia, sentia
eriçar pelos e crinas
como quem ama Maria.
Seu coração disparava
trespassado de euforia.
Era um deus que galopava
e o Universo sorria.
(Relincham todos cavalos:
uma Ode à Alegria.)
VII
Depois, a loucura, em lavas,
lambia os musgos das asas,
limpava bem suas patas,
reluzentes sobre as vagas.
Cavalos soltos e afoitos.
Açoites dentro da noite
sobre telhados atônitos,
sobre gemidos e coitos.
Bem dentro da escuridão,
uma luz, um livro ardia.
Nas lonjuras do Sertão,
um jovem poeta lia.
(Estrelas, constelações,
relinchando fantasias.)
José Inácio Vieira De Melo
Do livro "Sete" (Editora 7Letras, 2015)
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