ECOS DO SILENCIO

- Morreu esta madrugada, o residente do chalé 15 Joana.
- Eu soube assim que cheguei. O que foi desta vez?
Sorvendo seu café da manha, as enfermeiras trocam informações de rotina.
-Coração, foi o que disse o atestado de óbito.
Joana acabava de chegar para cumprir seu turno diário enquanto Amélia se preparava para deixar seu posto noturno. As duas colegas se revezavam no mesmo setor da pousada para idosos.
- Diz a verdade Amélia, por acaso, destes uma medicação errada para o velho?
- Não! Disse Amélia nervosa.
- Coitado do seu Joaquim, eu gostava dele. A família está de férias no Canadá, foi o que disse o diretor Horke, chegam hoje a noite.
O que ambas sabiam era que o "seu" Joaquim era muito rico, e que seus dois filhos praticamente o abandonaram, para saírem à gastar seu dinheiro pelo mundo.
Joana lembrava bem de um deles, o Valter, era quem mais vinha visita-lo, e só vinha por ser norma da própria pousada. "Abandono e contra a lei e todos os hospedes tem que receber visitas, pelo menos uma vez por mês, pois do contrário os familiares serão responsabilizados por abandono do idoso".
Então todos os meses vinha uma secretaria das empresas, para ver se estava tudo bem, e fazia os arranjos necessários, e a seguir despachava-se rapidinho...
O "velho" viera parar na pousada por ter ficado ferido gravemente num acidente automobilístico. Sua esposa morreu na hora, por ter ficado presa nas engrenagens do carro e Joaquim, com sorte, conseguiu se livrar do cinto e sair do veiculo que acabou por se incendiar todo..
E Amélia continuava
- Lembro-me que ele ficou meses numa cadeira de rodas e quando melhorou, achou por bem ficar de vez na pousada, onde tinha tudo o que precisava e o mais importante, não estava sozinho.
Cuidar de gente não é tarefa fácil, mesmo quando se trata de um trabalho, pois não é simplesmente lavar uma roupa, limpar uma casa ou qualquer outra função. São pessoas cuidando de seus semelhantes, e é  muito difícil não se envolver, não desenvolver laços... 
Amélia era a enfermeira mais antiga da pousada e tinha uma especial preferência pelo Joaquim que estava como residente há quase sete anos ali.
- Há cinco anos, era natal e houve um principio de incêndio no salão principal, as lampadinhas da árvore deram curto circuito. E de imediato quando perceberam todos trataram de correr logo, enquanto os enfermeiros corriam retirar os mais graves e buscar os extintores. Seu Joaquim ia saindo calmamente do recinto, pois ainda caminhava muito devagar. Ele ouviu um leve murmúrio e se voltou... Era Dona Isabel, lembra-se dela? Ela faleceu ano passado, pois ela estava muito perto da árvore e prendeu sua cadeira, não conseguia mover, a manta dela chegou a pegar fogo acredita! Pois o seu Joaquim corajosamente foi lá e a retirou, salvando-a do "pior". Desde então nunca mais se largaram aqueles dois. Acho até que eram apaixonados, um pelo outro. Não admitiam publicamente, mas todos viam alguma coisa especial entre eles.
Mal contendo a emoção, as duas enfermeiras disfarçam suas lágrimas.
- O Seu Joaquim chorou muito sentido o falecimento de dona Isabel. "Mais uma vez, a morte me leva uma alegria”. Senti uma pena dele, um homem tão rico e, no entanto...
Sabe deu uma coisa Joana? A vida é tão fugaz, e parece muito sem razão... Eu vou ter que chorar hoje, pela morte do seu Joaquim.
-Eu entendo Amélia. E as duas abraçam-se partilhando algum conforto.
@guerreira



Comentários

  1. Boa tarde!
    Antes de mais nada quero te parabenizar pelo excelente trabalho.
    Gostei muito do seu espaço...criativo,emocionante.
    Abraços
    Sinval

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  2. Uma história de vida. Pousada (depósito) de idosos e como só isso não chegasse, o abandono pela família. É um caso recorrente nesta sociedade e transversal ao mundo mais desenvolvido. Mais um trabalho bem conseguido da escritora que pela sua visão leva o leitor a assistir todo aquele quadro triste como se estivesse presente.

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  3. Olá amiguinha! Não comento a utilidade, ou não das Pousadas, o seu objecto social, porque o fundamental é a critica à narrativa.
    É notável a forma como de modo ficcional, expressas possíveis vivências em tais locais de acolhimento, locais a que por esta banda damos o nome de Lares de Terceira Idade. O teu jeito de escrever, leva-nos a sair da plateia e a entrar no palco da narrativa. Estás um qual mestre, na arte de transmitir.
    Parabéns, cara amiga!

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  4. Minha amiga, parabéns pelo seu trabalho, estou saboreando cada palavra e vivendo parte de sua história, flutuando em seu pensamentos, e caminhando no eco de seu silêncio.
    Forte abraço de seu colega,
    escritor Leandro Alves.

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