TEORIA GERAL DO ESQUECIMENTO
Um livro de José Eduardo de AGUALUSA que relata a incrível história de Ludovica em meio a uma guerra civil na Luanda.
O autor teve a brilhante ideia de conectar os acontecimentos, direta ou indiretamente, à uma portuguesa que vivia enclausurada, emparedada literalmente, por ela mesma, em seu apartamento por quase trinta anos.
Há uma sutileza na mulher, que em companhia de seu cão sobrevive ao caos externo que a cerca, e que em momentos de solidão escreve nas paredes criando um mundo repleto dos seus pensamentos.
Prisioneira de seus fantasmas, entre a imaginação e a realidade, Ludovica, a Ludo, vai vivendo...
" Ludo aproximou-se da porta.Viu o orifício aberto pela bala. Encostou o ouvido à madeira. Escutou o surdo arfar do ferido:
Água mamã. Me ajude...
Não posso. Não posso.
Por favor senhora. Estou a morrer.
A mulher abriu a porta, tremendo muito, sem largar a pistola. O assaltante estava sentado no chão, apoiado à parede. Não fosse a espessa barba, muito negra, julga-lo-ia uma criança.
Rosto miúdo, suado, olhos grandes que a fitavam sem rancor:
Tanto azar, tanto azar, não vou ver a independência.
Desculpe,foi sem querer.
Água, tenho bué de sede.
Ludo lançou um olhar assustado para o corredor.
Entre, não posso deixa-lo aqui.
O homem arrastou-se para dentro, gemendo. A sombra dele continuou encostada à parede. Uma noite se desprendendo de outra. Ludo pisou aquela sombra com os pés nus e escorregou.
Meu Deus!
Desculpe avó, estou a sujar a casa.
Ludo fechou a porta, Trancou-a. Dirigiu-se a cozinha, procurou água fresca na geladeira, encheu um copo e regressou à sala .O homem bebeu com sofreguidão:
O que precisava mesmo era dum coito de ar fresco.
Eu devia chamar um médico.
Não vale a pena, me matavam igual.Canta uma canção avó.
Como?
Canta.Canta para mim uma canção macia tipo sumaúma.
Ludo pensou no pai, trauteando velhas modinhas cariocas para adormecer. Pousou a pistola no soalho, ajoelhou-se, agarrou entre as suas, as minúsculas mãos do assaltante, aproximou a boca do ouvido dele e cantou.
Cantou durante muito tempo."
Página 23 Livro Teoria Geral Do Esquecimento
O autor teve a brilhante ideia de conectar os acontecimentos, direta ou indiretamente, à uma portuguesa que vivia enclausurada, emparedada literalmente, por ela mesma, em seu apartamento por quase trinta anos.
Há uma sutileza na mulher, que em companhia de seu cão sobrevive ao caos externo que a cerca, e que em momentos de solidão escreve nas paredes criando um mundo repleto dos seus pensamentos.
Prisioneira de seus fantasmas, entre a imaginação e a realidade, Ludovica, a Ludo, vai vivendo...
" Ludo aproximou-se da porta.Viu o orifício aberto pela bala. Encostou o ouvido à madeira. Escutou o surdo arfar do ferido:
Água mamã. Me ajude...
Não posso. Não posso.
Por favor senhora. Estou a morrer.
A mulher abriu a porta, tremendo muito, sem largar a pistola. O assaltante estava sentado no chão, apoiado à parede. Não fosse a espessa barba, muito negra, julga-lo-ia uma criança.
Rosto miúdo, suado, olhos grandes que a fitavam sem rancor:
Tanto azar, tanto azar, não vou ver a independência.
Desculpe,foi sem querer.
Água, tenho bué de sede.
Ludo lançou um olhar assustado para o corredor.
Entre, não posso deixa-lo aqui.
O homem arrastou-se para dentro, gemendo. A sombra dele continuou encostada à parede. Uma noite se desprendendo de outra. Ludo pisou aquela sombra com os pés nus e escorregou.
Meu Deus!
Desculpe avó, estou a sujar a casa.
Ludo fechou a porta, Trancou-a. Dirigiu-se a cozinha, procurou água fresca na geladeira, encheu um copo e regressou à sala .O homem bebeu com sofreguidão:
O que precisava mesmo era dum coito de ar fresco.
Eu devia chamar um médico.
Não vale a pena, me matavam igual.Canta uma canção avó.
Como?
Canta.Canta para mim uma canção macia tipo sumaúma.
Ludo pensou no pai, trauteando velhas modinhas cariocas para adormecer. Pousou a pistola no soalho, ajoelhou-se, agarrou entre as suas, as minúsculas mãos do assaltante, aproximou a boca do ouvido dele e cantou.
Cantou durante muito tempo."
Página 23 Livro Teoria Geral Do Esquecimento
Um livro imperdível!
Também adorei o livro! Fascinante!
ResponderExcluirGUERREIRA XUE,
ResponderExcluireste angolano é um escritor incomum,competência que chega aos píncaros da mais incrível capacidade de colocar em prosa, o que muitos seres humanos "normais" jamais conseguiriam.
Eu lí em 2012, este livro e fiquei realmente agradecido pela indicação de um aluno e por esta razão, li dele também,"As mulheres de meu pai", e quem ainda não leu, por favor leia, pois é espetacular!
Enfim Guerreira, este seu blog tem destas coisas:Consegue ser aquilo que todo mundo que gosta de literatura espera, ou seja, dá excelentes dicas.
Espero que todos os seus seguidores, leiam!
Um abração carioca.