O PIANO

Querido diário,

hoje resolvi que queria te contar algo. Não aquelas coisas bobas de adolescente, pois essa época já me escapa faz tempo. Me sinto melhor depois de colocar meus pensamentos no papel por inúmeras razões; poderei reler no futuro, não vou ser julgada, rotulada e tampouco amaldiçoada.

As pessoas sentem tudo o tempo todo, mas, infelizmente não têm coragem de enfrentar seus próprios pensamentos. E tu meu querido amigo, és um ouvinte mudo, tanto que me concede o direito de ler outra vez o que senti ontem, antes de ontem e o que sinto hoje. A tua cumplicidade é o que me permite aprender e mudar conforme vou vivendo. E tu bem sabes que mudei. Eu que tinha muito medo de meus fantasmas, fui me transformando graças a ti, que não me deixastes ser tão sozinha.

Foram tantas as vezes que desabei e outras tantas me reergui que até nem sei como foi que consegui!

Ao folhear estes meus cadernos, senti de repente o passado voltar. O meu refugio, os livros. Eu me lembrei do piano que eu ouvia e tanto sonhava tocar, do barulho das ondas do mar quando ia na praia, eu ficava encantada com aquela imensidão, adorava as historias inventadas, de tesouros e aventuras imaginadas. Isso era tão maravilhoso e tinha um quê de magia, sei lá, me acalmava. Me lembrei da primeira boneca que ganhei e foi da vovó. Quando ela faleceu foi muito duro... Fiquei muito tempo sem ter o que escrever, não tinha coragem para pensar na vida sem ela. Tudo bem, depois tinha mais coisas para pensar, onde ia viver e com quem... Está tudo aqui! Os meus choros, os medos, solidões, consolos, os meus amores da adolescência. Não era só tristeza, porque depois houve o primeiro beijo, o marido, o primeiro filho. a primeira casa, o primeiro carro... Andei tão ocupada que nunca mais falei contigo. Porém, agora senti muita necessidade de me buscar nas palavras que guardastes do meu passado. Devo te dizer que cresci um bocado, os meus filhos são adultos e os meus cabelos estão grisalhos. Aprendi algumas coisas e principalmente, ainda tenho o que aprender. Confesso que as vezes tenho vontade de desistir, mas a curiosidade, inata em mim, acaba por me distrair e quando percebo, eu continuo e com força.

Numas coisas eu não mudei; não toco, mas ainda escuto um piano com igual emoção de antes, sinto o barulho das ondas do mar, mesmo que não esteja na praia, leio os meus livros com a avidez de menina. Tenho que te agradecer por não ter me abandonado durante a vida, pois em tuas amarelas páginas eu resgato aquela jovem que, ainda se esconde dentro de mim. 

#Guerreiraxue

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