O GNOMO TRISTE/ capítulo 1

 Onde está Slavia?

Passeando por aquela terra estranha, ela era atenta para tudo que a cercava, e o fazia por puro instinto, pois tinha sido educada para se proteger, desde que compreendeu a sua condição de herdeira e mantenedora desse mundo.

Disseram-lhe que carregasse o amuleto sempre perto do peito, pois as criaturas que ali habitavam podiam ser bastante cruéis, sugando-lhe toda a energia sem piedade. E perecendo, ela morreria.

— E por que fariam isso? — a pequena retrucava com surpresa. — Se me sugarem toda, eu vou morrer, e onde buscarão nova força para viverem?                                                                                     — Ai minha filha! Eles não pensam nisso na hora de se alimentarem, pois estão sempre com fome. Portanto te previno, todo o cuidado é pouco.

Por alguma razão, porque ninguém sabia como explicar, ela fora a escolhida, e mesmo os seus iguais não entendiam. Era uma simples operária, não tinha sangue nobre, e nem era a mais esperta do vilarejo, nem sabia ou sequer a mais bonita…

— E como foi que aconteceu então? — Perguntou o curioso médico para Ivone. — Pelo que eu soube tudo começou numa noite de tempestade, quando todos tiveram que correr para abrigarem-se na casa da montanha.

Nas grandes tempestades as casas eram, na maioria, carregadas pelo vento forte, ou queimadas por descargas elétricas, por isso todos iam para a chamada casa grande. Diziam assim por que era uma espécie de casa mesmo, esculpida naturalmente na rocha da montanha mais alta do vilarejo. Era perto. Porque quando os ventos chegavam, era a única maneira de estarem a salvo, mas nesse dia a Slavia não foi.

Foi a minha avó quem me contou essa história, doutor. Eu devia ter uns cinco anos na época, e ela dizia que a moça em questão era nossa ancestral. Sonhei com ela esta noite. Pergunto-me: será que estou ficando louca e não consigo mais distinguir o real do sonho? Porque eu me lembro de tudo como se eu estivesse realmente lá!  É uma história inteira, de gente que viveu muito antes de mim, e no sonho eu sentia o cheiro da terra molhada, a brisa me arrepiando a pele, ouvia os pássaros, eu sentia até o que a Slávia sentia.

   Preciso contar para que não seja esquecida novamente. Eu própria não lembrava mais, pois podia tê-la contado antes e não fiz.

Ao perceber a agitação da paciente, ele retruca com serenidade— Fique calma porque vais me contar tudinho. Podemos inclusive escrever, se tu quiseres.

— Fico-lhe imensamente grata por me ouvir também querido amigo, pois sinto uma enorme necessidade de passar isso adiante. Eu desapareço, mas essa história ficará para sempre.

 O médico ficou a observar aquela senhora simples, de aparência frágil e tão dona de si. O mais estranho era compreender como podia alguém, que foi tão generosa na vida, estivesse agora tão só. D’Valério estava diante de uma milionária que não tinha ninguém para acompanhá-la em seus últimos dias de vida. Na folga que tinha o médico escapava até o seu quarto, para fazer-lhe companhia e conversar. E não era por pena, ou era? Sabe-se lá! O fato é que ele gostava muito daquela paciente.

 — Se queres saber mais Ivone, para mim é um prazer ouvi-la e para falar a verdade estou bem curioso com sua história. É um conto de fadas, me parece. — Sim. — Ela sorri. — Vovó costumava dizer que éramos filhas de uma civilização mais antiga que a própria terra em que vivemos e que há muito tempo fomos evadidos, para nos livrarmos da extinção.

Pensando nisso agora, eu acredito que o mundo em que vivemos atual é e sempre foi assim, o resultado de uma sucessão de invasões e massacres na história da humanidade, porque muitos povos foram extintos e culturas se perderam.

Já Imaginastes, o quão adiantados estaríamos hoje? Mas voltando para a minha avó, quando ela contava as várias histórias de nossa gente, eu jamais questionava se eram verdades ou mentiras, pela razão que me sentia muito bem em ser parte de uma cultura de seres antigos, que de alguma maneira praticavam o bem. — Retrucou sorrindo.

— Não quero perder nenhum detalhe então. E tens muita razão quanto aos massacres dos povos, e da extinção de suas culturas, principalmente dos originários da terra. Olha que não é todo dia que se ouve uma história tão interessante. — Doutor D’Valério despede-se sorrindo. — Conversaremos mais amanhã. Bom descanso para ti e fique bem. 

— Obrigada e igualmente.

Enquanto anda pelos corredores ele pensa nesta criatura extraordinária com bastante frequência.

Dona de um patrimônio considerável, ela era benfeitora de várias entidades carentes, incluindo este hospital onde está internada agora.

Ela recebia flores, com votos de melhoras de todas as partes do mundo todos os dias, porém ninguém a visitava, com exceção de seus assessores claro.

O que aconteceu para ela lembrar de uma história da infância, D’Valério não sabe. Mas ele percebeu uma luz diferente em seus olhos... Era algo que beirava a insanidade, ou a esperança.

   Nesse mundo, a probabilidade de realidade e fantasia são relativamente equiparadas. No caso de Ivone o causador de tais memórias, poderia ser o efeito dos remédios pesados, ou da morte anunciada. Uma tentativa de fuga, talvez!

A medicina avança em tecnologias, prognósticos, diagnósticos e medicamentos, mas, em questões de reações psicológicas em face da morte iminente, ainda falta o que entender. Porque cada um reage do seu jeito.

É fato que a Ivone é uma pessoa especial, e disso D’Valério tem plena certeza.

Continua ...👇👇👇👇👇👇

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