AVENTURA DE VIVER

— Por que se esconder se tem um mundo inteiro lá fora para conhecer? — Sei lá, porque tenho a casa para limpar. Pegar a correspondência no correio, e nem posso me atrasar para o jantar.
Conversar com José era incrível! Ele tinha uma grande capacidade de ser alguém no verdadeiro sentido da palavra. Sofrera um acidente na adolescência, vivia agora numa cadeira de rodas, um motorista bêbado jogara o carro no meio fio atropelando-o, quando este vinha de bicicleta da escola.
— Se você se atrasar, o que acha que vai acontecer? Perguntava-lhe
— Vão todos ficar surpresos, e sem querer, se aborrecerão comigo, pois estarão cansados amanhã por terem ido dormir tarde.
— É verdade... Tens tuas obrigações para com a família.
Aquela conversa ficou na cabeça de Sophia. " Se você se atrasar para o jantar"? Quantas vezes ela tinha feito o bendito jantar e o marido chegava e simplesmente tomava seu banho escovava os dentes e dizia que tinha comido qualquer coisa na empresa.
Sophia não sabia o que se passava agora, há dias andava "assim". Seus filhos cresceram e cada um foi cuidar de sua vida.
Tinha dias que ela ficava triste e tentava espantar seus fantasmas com distrações, com o marido, filhos e amigos. E ultimamente nem isso a animava.
José era seu amigo de infância. Daqueles que se dizia tudo que lhes ia na alma, podiam até discutir mas, nunca ficavam "de mal".
Ele podia saber o que se passava com ela neste dia, mas não era a mesma coisa que foi ontem, e nem será a mesma coisa no dia seguinte. Ele achava fantástica a capacidade que a amiga tinha de esquecer as magoas, em compensação, ela também não sabia segurar a alegria. Dizia-lhe com frequência que fizesse algum curso, qualquer coisa, era melhor que ficar cultivando nostalgias.
— Fazer o que? Faz quase vinte cinco anos que larguei a faculdade e agora só sei ser mãe, esposa e dona de casa.
— Não seja boba. Somos muito mais que a aparência, e eu sou prova viva disso. — Disse rindo José.
E era verdade. José era um bom pintor, seus quadros eram reconhecidos por todo País e palestrante conceituadíssimo, ele também gostava de cultivar uma vida social.
Ele por sua vez, não conseguia ajuda-la a seguir em frente. Amava esta mulher desde que era um garoto. Quando ela largou a carreira para ser esposa e mãe, foi com alegria que o fez. Sofreu por não ser, ele o homem de sua vida. Dedicou-se ao trabalho e foi vivendo. Viajou muito pelo país e mundo e quando voltou se estabeleceu de vez. José a conhecia muito, e se hoje ela estava triste, depois de conversarem uns minutos sobre o que lhe atormentava logo passariam a outros assuntos. E mesmo que ainda houvesse lágrimas molhando sua face, as risadas logo vinham com todo o seu esplendor. Isso não o surpreendia, mas, encantava-o.

Muitas vezes ela deixou de fazer o jantar, substituindo por um lanche rápido a noite. Mas como costumes não se desfazem da noite para o dia, ainda assim ela voltava a preparar o jantar.
— Tão bom comer uma comida fresquinha depois de um dia cansativo de trabalho. — Dizia...
Um dia José telefonou avisando que tinha uma novidade e chamou-lhe as pressas.
Era uma tarde de verão incrível!
— Que houve Zé!
— Eu ganhei Sophia! O amigo não cabia em si de alegria e quase caiu de sua cadeira de rodas. — Ganhou o que criatura?
— Uma viagem com tudo pago para Buenos Aires. Coisa boa!!
Sophia ficou tão feliz quanto ele. Pois uma vez que José mora sozinho, ele raramente saia agora, exceto pelo trabalho.
Ele tinha visto um anuncio de uma companhia aérea que pedia que enviassem Slogan para a sua campanha de lançamento.
— Então a sua frase foi a vencedora! Sim senhor, foi merecido mesmo.
— Arrume suas malas que partimos na sexta. Disse o amigo.
— Como assim!
— Ai, não diga que não sabe! Você vai junto... '“Direito a acompanhante”, lembra?
E assim foi...

Sophia avisou em casa que ia acompanhar o José na viagem. Todos concordam que ela merecia uma saída e ir a Buenos Aires era bom.
E seu passaporte que nunca foi usado, foi finalmente carimbado.
Tem pessoas que nunca saem de casa e este era o caso dela, então sentia agora um misto de ansiedade e expectativa. Como se tivesse abandonando a casa. Depois pensava "que bobagem! São três dias somente."
Ela fez comida para guardar no freezer, uma refeição para cada dia, deixou seu gato aos cuidados da vizinha, pois, tinha certeza que o marido o esqueceria assim que ela virasse as costas. Fez suas malas, cuidando para levar só o necessário.
O marido saiu para o trabalho normalmente na sexta feira. Os filhos ligaram, desejando-lhe boa viagem, e Sophia se foi com José, para aquela que seria a sua primeira viagem fora do país.

As vidas são entrelaçadas, desatadas e separadas, para depois tornar a entrelaçar, e juntar num eterno viver...
Sophia sentia-se como Alice no país das maravilhas. — Sou a própria Shirley Valentine, aventurando-me pelo mundo. Risos...
— Ao que José retrucava sorrindo — Te sinto assim também. Mais risos...
Foram dias e noites lindas em Argentina. vinhos, tango, teatro e o famoso churrasco.
Quando de volta em casa, Sophia despede-se de José, depois de ajuda-lo a entrar em casa, e dirige-se a própria residência.
Ao chegar em casa , liga imediatamente para os filhos, convidando-os para jantar.
Vai até seu quarto e começa a desfazer as malas... Quer fazer tudo rápido para ter tempo para fazer um jantar fresco. "Tantas coisas para contar"... Sentia-se muitíssimo bem.
Depois de arrumar suas roupas, ela tem impressão que o armário está ainda muito vazio, mas está com pressa e quer adiantar tudo, pois, a cozinha deve estar uma "bagunça".
Quando adentra a cozinha, ela não podia estar mais surpresa, nenhum prato ou copo sujo. Sem saber o que pensar ela abre o freezer... A comida que fizera antes de viajar estava toda lá, intacta.
Sophia pega o telefone e liga para o marido na empresa.
— Olá querido como vai? — Bem e você, fez boa viagem? — Pergunta homem inseguro do outro lado da linha. — Fiz sim, e você aproveitou-se para me abandonar é?
— Deixei uma carta para você no espelho do banheiro explicando tudo. E não me aproveitei, só achei que era o momento certo.
Estarrecida, ela balbucia — Alguma coisa que eu fiz?
— Não! Claro que não. Só quis ser justo com nós dois. Vou para casa hoje e conversamos, pode ser?
Morrendo por dentro, Sophia não sabia se ria ou chorava. Como podia isso! Ela sairá por três dias e duas noites de casa e quando voltava, não tinha mais marido. Desliga o telefone sem responder. Num impulso liga para os filhos, cancelando o jantar.
— Seu pai quer conversar em particular comigo. — Ao desligar ela vai ao banheiro e pega a tal carta e sem abri-la, ela guarda.
O marido chega abrindo a porta com sua chave, encontrando Sophia sentada no escuro. Caetano acende a luz, e tentando aparentar uma calma que não sentia, senta-se frente a mulher.
— Fez boa viagem? — Sim, obrigada. Pulemos logo estes rapapés, por favor, e explique. — Desanimado ele diz:
— Já estava acabado Sophia, você sabe. Há quantos anos não temos sexo? Nem sei como você aguentou tudo. Alguém tinha que tomar coragem, o que você acha? — E a sua coragem tem nome de mulher, por acaso? — Sim. — Sophia sentia-se morta, nesta hora.
— Não quero te mentir. Nós temos uma família maravilhosa e não seria justo, não sermos felizes Sophia! A vida é curta. Encontrei uma moça de quem gosto muito e quero que você tenha a oportunidade também de ser feliz.
— Por que Caetano?
— Não sei, você acha sabemos tudo? Só sei que fui cansando de tudo. Via-te abatida e sem animo, eu fui me sentindo culpado e velho de repente.
— Sabia que tive problemas de ereção por quase dois anos? Fiquei com vergonha de te contar, pois você nem se importava se fazíamos ou não sexo. — Ela olhava para ele atônita.
— Mas tentei abordar o assunto varias vezes, e você se retraia toda vez! Claro que eu queria sexo com você, e pensava que tínhamos intimidade o suficiente para dar prazer um ao outro de outras formas. Você me isolou de sua vida desde então. Achei que esta fase ia passar, e não passou.
Ambos ficam calados, como se refletissem por uns momentos.
— Agora delegar culpas não vai ajudar nada, não é mesmo!... Está difícil de engolir este fracasso de nosso casamento e não quero dizer coisas que vai nos machucar ainda mais. No fundo a responsabilidade é de nós dois, arquemos com ela então...
— Vai embora Caetano faz favor, estou cansada da viagem e ainda tenho que ligar para os meninos.
Ele se levanta. — Você vai ficar bem? Pergunta desconfortável...
— Vou tentar. Resposta automática...
E ele se foi... E ela ligou para os filhos e disse que estava tudo bem.
— Tenho de contar logo isso, seu pai não mora mais aqui. Ela disse, segurando suas emoções.
Nenhum deles disse qualquer coisa que não fosse: — Você está bem mamãe?
— Não muito, mas vou ficar. Boa noite meu bem, nos falamos amanhã.
E Sophia chorou e chorou e chorou... Foram tantos dias e tantas lágrimas que pareciam não acabar mais.
A faxineira que tinha a chave, vinha duas vezes por semana, e com ela vinha o José e os filhos, pois Sophia não atendia ao telefone e nem a porta.
Aquilo parecia uma autopunição, mas, não era... Ela só queria ficar só, se descabelar, chorar e dormir.
Um belo dia... Sophia acordou, tomou banho arrumou-se, tomou seu café e passou mão no telefone e ligou...
—José!
@ Guerreira Xue



Comentários

  1. Acesse essa postagem e receba seu selo, não se esqueça de seguir a tradição! Bjks!
    http://chegadecalar.blogspot.ch/2013/08/selo-versatille-blogger.html

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  2. GUERREIRA,

    sem dúvida "buenos aires",outro idioma,outro pais,outra companhia, tudo isso não deixou de ser um excelente investimento!

    Tanto foi que este:"Jose!" já estava escrito no futuro de uma mulher que foi seu personagem neste conto, porém, na realidade existe, aos milhões pelo mundo, homens e mulheres sem mais nenhum vinculo afetivo, apenas dando uma continuidade burocrática a uma união falida.

    Excelente o texto!

    Um abração carioca.

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