A DESCALÇA

Eu era um rapaz quando nesse dia vinha pelo caminho, sem um destino certo, só me apetecia andar. Olhando em minha volta, por todos os lados havia campo, e a frente uma trilha longa que mais parecia infinito. Não tinha muito que pensar, era só apreciar aquele cenário pitoresco e bonito.
Sentia um frescor novo no rosto. A liberdade é simples e um bem estar de andar naquela estrada fazia lembrar-me dos antigos ciganos, os escravos libertos ou foragidos, e os velhos mascates, esses que praticavam comércio sertão adentro, vendendo seus mais variados artigos. Todos tinham suas razões para andar. É interessante isso, chego à conclusão mais óbvia da nossa existência; nascemos para andar.
Ao pensar isso, eu me ria.
A mãe tinha panelas de barro que, ainda guardava para fazer à boa e velha moqueca. Eu amava a comida de mamãe, era o que me remetia ao paraíso na terra.
A manhã estava ensolarada e com nuvens alvas brincando de desenhar no azul do céu ... Ainda rindo ao pensar na mãe, quebra-se o encanto de liberdade, pois lembrava de que, tinha que voltar para o almoço.
Retomando o caminho de volta, sentindo a boca seca da poeira da estrada, o jovem parou numa porteira aberta para pedir um copo d'água. Haviam várias casas na tal propriedade e ouviam-se longe as vozes das pessoas.
Decidindo-me, bati em qualquer das portas. Era uma porta de vidro e foi quando a vi se aproximando, por um momento, perdi o fôlego. A morena de vestido florido vinha na minha direção num misto de curiosidade e cordialidade.
Ela tinha os cabelos castanhos atados com uma fita. Os olhos eram tão brilhantes que mais pareciam bolinhas de gude, e estava sem sapatos.
Era uma moça comum, e ao mesmo tempo tinha uma beleza infinita, inexplicável... O meu coração saltou de um jeito que eu não mal conseguia me conter. E gaguejando escandalosamente me apresentei como andarilho. Pedi um pouco de água. Ela sorriu prontamente e disse-me que eu podia sentar na sombra da figueira frondosa em frente de casa...
Feito um retardado obediente eu fui sentar, com a cabeça aos turbilhões. Ela foi e voltou rapidamente com uma jarra de água fresca. Enquanto a água eu bebia, ainda imaginava o que falar. Pois eu não disse absolutamente nada e, para meu constrangimento, tinha meu rosto em brasas. Ela me disse com naturalidade que, se quisesse podia descansar mais, para depois seguir caminho.
Agradecido, despedi-me da moça e fui embora quase correndo.
Desolado e triste, porque o meu instinto gritava dentro do peito que por covardia, eu perdera algo importante naquele dia.
Os anos passaram, eu envelheci, mas nunca me esqueci daquela moça descalça, e na minha lembrança ela parece ter ficado ainda mais bela...
Os netos que estavam calados até então: Mas vovô o senhor se casou com a vovó!
O velho dá um sorriso matreiro; claro que casei! Eu não poderia ser um covarde para sempre, que acham?
E todos riram ... Agora andem logo lavar as mãos, porque a moça descalça nos espera para o almoço.

@Guerreira Xue

Comentários

  1. Gostei muito do texto, não sabia que tinhas um blog, estou te seguindo, bjs

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