ELIANE E SEU LIVRO ROSA

Tem alguns meses e o Cadu me apresentou a Eliane: Olha, é minha amiga e precisa de ajuda para publicar um livro. Então nos contactamos, e isso já vão quase três meses. Eu como fissurada em literatura primeiro li o arquivo antes de formatá-lo para o tamanho desejado de minha nova amiga e cliente.
No primeiro conto, eu jurava que estava lendo Guimarães Rosa, pensei logo: Essa senhora é uma imitadora. No segundo conto já estava diferente. Porém, ao terminar o manuscrito eu fiquei com a sensação de ter lido muitos autores numa pessoa só. Eu reconheci Clarice Lispector, Ligia Fagundes Teles e pareceu-me que essas entidades todas tinham uma conectividade cósmica com Eliane.
É difícil acharmos uma identidade pessoal como autor nesse mar de escritores mundo a fora, ainda mais quem lê muito. E querem saber, acho genial quem tem a capacidade de traduzir com tamanha profundidade e trazer a tona o que outros autores escreveram lá atrás.
Eliane Pantoja Vaidya está publicando no Clube dos autores O LIVRO ROSA Imitando Wittgenstein
De um jeito único essa senhora nos presenteia, com contos do passado e do presente, homenageando autores consagrados por nós e por ela mesmo. 

SONHOSO
Sonhoso, sonseiro, metido a santo.

Assim o chamavam a mãe, o pai e por último a irmã Jurália. Mas não, nada disso posso afirmar que ele não era assim no de repente, mas botar a mão no fogo por ele não faço, não senhor, que se virarmos tudo pelo de dentro, o avesso mesmo das coisas, quem sabe não se encontra até santo?
Em menino mostrou-se um nada, desengonçado projeto de gente, cabelo arrepiado nas ventas e cheio das estripulias.
- Tudo tem conserto um dia – dizia a mãe, e arrematava. – Quem não tem jeito, consertado está.
Ela na ardente lamparina, costurando roupa de fora, noites a fio para remediar a família.
O pai José, pedreiro de profissão, não do que usa o prumo, o contramão, régua e lápis, pois só usava mesmo as mãos carregando tijolo, movendo massa. Ajudante de pedreiro, salário porcaria. Envelheceu nisso, que suas mãos grossas não iam mesmo se acostumar às finuras de lápis.

A filha mais velha, Jurália, vinda a este mundo depois dos prazos, quando Rosália pensava que nunca havera de ter filho, fruto, portanto, de muitas rezas e juras a Maria. Era menina quando a mãe ficou esperando outro. A família explodiu na alegria, iam outra vez ter choro de bezerro novo em casa; aí nasceu João de Deus.

Desculpem-me se conto pra frente e pra trás na embolada, cantador que sou de longa lida, e a vida dá sempre no mesmo: que tanto faz somar o passado em sequência no direito ou ir juntando os pedaços que a memória vai dando, e com eles costurar a colcha e chegar ao final.
Desde sempre João orava contrito, não diziam todos que seus tratos seriam somente com Deus e nunca com os enviesados caminhos do Demo?
Ah, mas artes há que são só lá dele, aquele capeta tinhoso, mais sonseiro que qualquer criaturinha de Deus, e é por isso que as engana mole, mole.
Padre Altino disse que ele, o rabudo, era anjo de luz, que tantas fez e Deus desculpou até o dia em que Deus, estando de lua, não desculpou mais, que Deus é Pai, porém não é estulto e sabe os filhos que tem.
Aí está a prova. Deus é Deus e o Demo é o Demo. E mais falar disso é jogar fora fala e filosofia.
Como eu dizia, João orava contrito em casa, nas igrejas, nas missas e nas procissões. Era só esperar lá vinha ele no caminho das pedras, ar franzino, terço na mão, tocha na outra, logo nos primórdios da procissão.
Os antigos colegas do grupo escolar nem mais se espantavam de vê-lo naqueles zelos. Muito o tinham querido arrastar para os descalabros da juvenália: a birita do bar e as mulheres à toa da Rua de Baixo. Qual o quê!
João era rocha, firme em seu propósito e brilhante de honra.
Estava-se nisso quando chegou à cidade Josimar, amigo de infância de João e homem mais velho, viajado, vivido e lido. Explico: viajado, pois tinha ficado anos sem conta em São Paulo e até conhecera o Rio; vivido, isso lá ele era em amplos sentidos vários, alguns até que não convém mencionar; lido, coisa essa impossível de desdizer, que o homem era dono de mais de uma dúzia de livros. 
ISSO CONTINUA LÁ NO LIVRO...👇👇👇👇

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