RECOMEÇO

Quando a chuva começou, estavam todos no trabalho e em casa só o cão Bernardo, e a babá Juliana com o pequeno Paulo.
Sandra estava em visita com um possível comprador, lá para os lados da Zona sul.
As chuvas de verão são comuns nesta época, mas, ultimamente tem acontecidos muitos deslizamentos, muitas barreiras na estrada...
Essa imobiliária era seu primeiro emprego, desde o nascimento de seu menino, e ainda ficava muito preocupada e porque não dizer, culpada, por deixar seu pequeno aos cuidados de outra pessoa que não fosse ela.
Sandra mal conseguia disfarçar sua apreensão, tinha vontade de passar a mão no celular e ligar, só para conferir se estavam tudo bem, mas, sentia vergonha de fazê-lo na frente do cliente que estava no banco do passageiro tranquilo e sereno. Nem poderia ligar, pois teria de encostar o carro, porque estavam em plena estrada.
O cliente era um rapaz moreno alto, novo ainda e ia se casar pela segunda ou terceira vez, não lembrava agora.

Quando Sandra sugeriu convidar a noiva para ver se ela aprovava a escolha da nova casa, ele disse qualquer coisa de ela confiar em seu gosto, uma vez que tinha comprado várias casas no longo de sua vida. E segundo ele a futura esposa tinha carta branca para decorar o imóvel a seu gosto.
— Comprei uma casa para a minha mãe e outras tantas cada vez que me casava, e quando descasava saia delas com a roupa do corpo, acredita!
Como a moça ficou calada com seu comentário o rapaz sorriu, e ela riu também dizendo em seguida — Deve ser este o preço do descasamento.
Mais risos... Pronto, estabeleceu-se certa cordialidade e os dois seguiram viagem.
Sempre acho mais interessante o desenrolar dos fatos do que o final sabe? Penso que tudo corre para certo conhecimento, seja de si ou do outro, e cada história de vida é realmente uma lição.
A chuva foi apertando ao longo do caminho e devido a um deslizamento mais adiante, foram obrigados a parar na estrada.
— Ai meu Deus que situação! Desculpe-me este transtorno todo, eu devia ter consultado a meteorologia antes de sairmos. Se imaginasse que ia chover, tínhamos marcado outro dia. — Se você quiser, podemos retornar sem problemas Sandra.
— Claro, porém o retorno ainda está a uns doze quilômetros daqui e a rodovia parou de vez agora, veja.
— Tudo bem então, fique tranquila que uma hora teremos que sair ok.
O nome do rapaz era Ronaldo...
Descem ambos do carro para visualizarem melhor a situação e a fila se estendia pela grande rodovia.
Sandra tenta o celular e nada... Estava sem área. Tentando ficar calma ela pergunta ao moço — Seu celular tem área? Ao que ele confere e acena que sim.
— Posso usa-lo, por favor o meu está sem área. Só para ligar em casa, saber se estão bem, e avisar que vou me atrasar — Ele estende o celular para ela.
— Fique a vontade.
Ao constatar que o filhote estava bem, ela avisa a babá que fique até mais tarde até que Daniel chegue.
Aliviada ela devolve o celular agradecendo.
— Tudo bem em casa, esta é minha primeira semana de retorno ao trabalho e ainda fico preocupada com o pequeno.
— Quanto tempo tem seu bebe? — Perguntou Ronaldo com interesse.
— Seis meses já. Pensei seriamente em não voltar a trabalhar, sabe. Queria poder curtir isso de ser mãe em tempo integral. — Você é em tempo integral, acredite.
Ambos se olham calados por alguns momentos, e sem graça pela situação de estar ali no meio da estrada com um estranho. Sem mais o que dizer voltam a sentar-se no carro a espera da desobstrução do tráfego.
— Já marcaram a data do casamento? Pergunta Sandra.
— Ainda não, mas será para o mês de setembro agora.
— Está bem perto então...E o assunto morre...
Desculpe fico nervosa com esta espera e fico catando assunto, fico fazendo perguntas pessoais, que vergonha!
Ronaldo ri com gosto...
— Não se preocupe, pergunte o que quiser, desde que eu possa perguntar também, posso?
— Pode.
— Quanto tempo você está casada?
— Não estou casada ainda. Meu namorado ainda não se decidiu. Moramos juntos até eu ganhar o bebe, mas ele disse que sentia muito preso, preferiu voltar para a casa dos pais.
—E ele espera o que para casar, o filho fazer dezoito anos?
Sandra arregala os olhos surpresa...
— Porque você pensa isso, casamento é coisa séria sabia?
— O que eu sei é que, toda mulher quer casar, ter filhos, casa e não sei mais o que...
— E você se casa por que? — Agora foi a vez do moço se surpreender
— Eu caso porque as minhas mulheres querem, ora esta!
— A sério! Nunca pedi a meu namorado para casar...
— Vai ver é por isso que ele ficou indeciso e resolveu voltar para a casa da mamãe.
Se você não quer casar, ele deve achar que não o quer.
— Nunca tinha pensado nisso...
Ficaram calados por alguns instantes, quando:
— Minha vez agora...Você se casa por que as suas mulheres querem então,
alguma vez você desejou isso de verdade?
-Sim, com minha primeira namorada. Tínhamos quatorze anos na época, mas ela foi morar na Itália e nunca mais nos vimos ou falamos. Lembro-me que sofri muito a sua ausência. E quando fui para a faculdade às coisas foram mudando rapidamente e eu pensei, não vou perder mais oportunidades nenhuma. E quase vinte anos depois eu ainda estou casando...
E Sandra replica.
— Bem, acho que cada um busca seu caminho a sua maneira. Eu quero alguém que me queira, e você também, pelo que parece.
Eu já me adiantei e providenciei um filho e não me arrependo em nada, e mesmo que Daniel não queira se casar comigo, sei que será sempre bom pai. Acho isso muito importante.
— Deixe-me adivinhar, você é órfã desde menina e quer alguém para cuidar, preenchendo esta brecha em sua vida.
— Sim, eu sou. Como adivinhou? Sandra não podia estar mais perturbada.
Ronaldo se dá conta da tamanha barbaridade que diz e emenda logo:
— Meu Deus! Eu devo ter bebido para dizer estas besteiras, me perdoe faz favor.
Logo a fila de carros começa a andar levando-os até o retorno, já que o dia estava perdido e salvando-os do embaraço.
O celular dele toca. É a namorada querendo notícias...
Em poucas palavras Ronaldo explica o acontecido e combinam qualquer coisa para mais tarde.
Ao retornarem e imobiliária já estava fechada, mas Ronaldo tinha de pegar seu carro...Os dois ainda meio constrangidos pela situação que passaram, despediram-se com a palavra que combinariam uma nova visita ao imóvel na semana seguinte. Quatro horas parados na rodovia em plena sexta feira, é coisa para deixar qualquer um maluco.
As coisas nem sempre saem como se deseja e de qualquer forma, nunca se sabe se era mesmo aquilo que se queria. No caso de Sandra ela pensava que dar tempo para Daniel, seria respeitar seu espaço e compreender suas dúvidas em relação ao casamento. Agora ela percebia que isso era a visão dela a respeito do assunto, uma vez que ele nunca usou de toda franqueza neste quesito. E Precisou um estranho faze-la enxergar isso!
Na semana seguinte, como havia combinado o cliente liga para marcar novamente a visita ao imóvel.
Sandra estava nervosa, e queria porque queria inventar uma desculpa não tornar a vê-lo, porém compromisso é compromisso então ela se arrumou com todo esmero, consultou a meteorologia desta vez, se agarrou com a sua medalhinha de Santa Rita e foi para o trabalho.
Desta vez o rapaz levou a noiva e correu tudo normalmente. A moça era simpática e inteligente. Pediram para ver o catálogo de outras mansões e na mesma tarde fomos a mais dois imóveis próximos.
Gostaram da primeira mesmo, pois esta não precisava de muitas reformas.
— Minha primeira venda em quinze dias de trabalho!
E Daniel um dia tomou coragem e confessou-lhe estar apaixonado por uma colega de trabalho e que queria muito se casar com ela.
Sandra perdeu o chão por uns momentos, e lembrou-se do que aquele cliente dissera-lhe no dia da chuva forte.
"O que eu sei é que toda mulher quer casar e ter filhos, casa e não sei mais o que”
— E como sabe que ela quer casar com você Daniel?
— Porque ela me disse, ora esta!
— Foi por isso que não casamos então? porque eu não te pedi!
— Não querida, foi porque você parecia não se importar se casássemos ou não.
Me sentia inseguro com relação a nós dois, eu queria ficar com você e paulinho, mas parecia-te desnecessário isso, sabe?
Vendo agora sua reação eu penso que devo ter sido um idiota, devia ter assumido minha posição de pai e marido.
Sandra abraça Daniel com carinho.
— Me desculpe eu querido e você tem razão, estavas inseguro, e eu por causa disso também fiquei, e deixei você resolver. E ao que parece agora, suas inseguranças evaporaram-se.
— Continuo inseguro, mas se eu não arriscar com quem me queira, como vai ser?
— É verdade, você tem razão. Seja feliz e tenha uma boa vida.
—Você também, e além do quê, sempre teremos o Paulinho.
Os dois abraçam-se novamente Daniel se despede.
Esta foi uma das noites mais difíceis da vida de Sandra. O choro parecia não acabar mais. Era um misto de solidão com amargura.
Dois meses depois ela e Paulinho estavam na igreja, presenciando o casamento de Daniel, e Sandra nunca o tinha visto tão radiante.
— Será que um dia vou amar alguém deste jeito.
— De que jeito? Questionavam as amigas. De um jeito confiado, e totalmente entregue.
— Talvez sim e talvez não, vai saber?
Mais um mês se passa e o tal cliente, o Ronaldo, aparece na imobiliária querendo fazer negócio com o imóvel que havia comprado. A surpresa Sandra não podia ser maior
— Vocês tinham gostado do imóvel, e está reformado agora, que pena se desfazer. Posso saber o a razão? Foi algum problema com o imóvel?
— Não vou casar mais, e não quero manter aquela casa enorme morando sozinho.
Disse o rapaz enigmático.
— Lamento Ronaldo. Faremos o seguinte então, vou levar um fotografo para fazer nova mostra do imóvel.
— Quero acompanhar tudo passo a passo ok. Me ligue quando marcar as fotos, quero ir junto.
O coração de Sandra dá um salto, como se fosse um alerta.
— Combinado!
A vida segue e querendo ou não, as coisas acontecem só pelo simples fato de acontecer, e se quiser que faça alguma diferença terá de fazer sua escolha, seja a certa ou a errada. E você só vai descobrir depois de vivê-la.

@Guerreira Xue


Imagem de @ntonio F@zendeiro

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