... E O MUNDO VAI DANDO A VOLTA

E O MUNDO VAI DANDO A VOLTA
Orlando era homem rico, bem sucedido e tinha tudo que podia desejar. E como se dizia ser um privilegiado, também gostava de ajudar. Quando se pensa em ricos emergentes, imaginamos que todos são uns malandros e espertinhos que num golpe de sorte se deram bem na vida. Não era o caso de Orlando. Não é que não precise-se de alguma astúcia e entendimento para atuar no mundo business, é que ele era um "batalhador", e tinha muito orgulho disso.

Ele também tinha uma atitude sempre positiva com relação a vida profissional ou pessoal.
-Problemas sempre se tem em qualquer instancia, então o jeito é administrar com paciência. Dizia o sujeito de bom humor.
Sendo forte empresário da tecnologia da informática e tudo corria bem mesmo até que um dia, a sua vida começou aos poucos, desabar...
Mas vamos por partes, que não quero ninguém entediado aqui.

A empresa estava com falta de funcionários e estavam admitindo em vários setores. Todos os candidatos de primeiro escalão que passavam pela primeira seleção, e tinham a segunda etapa, uma entrevista com o próprio presidente da empresa.

Quando a secretária anuncio-o, Orlando o convidou a sentar-se que logo o atenderia, pois estava ao telefone. Por instantes o presidente pensa conhecer aquele rapaz de algum lugar. Cumprimentam-se.

-Jardel Menezes, muito prazer!

-Fique a vontade Jardel e sente-se. Você é de onde mesmo?
-Nascido e criado em Macaé. Disse o rapaz todo simpático.
-Interessante ...Também sou desta cidade.
Gostei do seu currículo. Você mora ainda em Macaé?

-Só minha mãe e minha irmã que ainda moram na casa onde nasci. Eu me mudei para a Barra da tijuca, tem um ano e meio que moro aqui e só vim ver esta vaga por insistência dela, sabe.
-Não entendi... Por insistência de sua mãe?
-Sim minha mãe o conhece de Macaé, senhor.
-Sim! E como ela se chama? Tenho de agradecer-lhe por me mandar seu filho tão bem qualificado. Disse Orlando curioso.

-Alice, Alice Menezes. Jardel fala pausadamente, enquanto vai observando as feições mudar lentamente.

-Alice Menezes é a sua mãe? E são interrompidos pelo interfone que toca anunciando a reunião dos acionistas...

-Que coincidência isso, fomos amigos de colégio! Temos que conversar mais alias, coincidência não é, uma vez que ela o mandou vir, não e verdade?

O rapaz pareceu ter perdido um pouco a segurança e retrucou logo.

-Repito que só vim por causa dela. E despediram-se com Jardel sendo indicado ao departamento pessoal, pois estava admitido como diretor executivo júnior...

Foram dias de grandes atribulações comerciais por conta da crise que assola o mundo moderno, disputas por mercado, mão de obra qualificada...

A empresa de Orlando ainda de pequeno porte (start-ups), precisa de incentivo de aceleradoras, incubadora ou fundos de investimentos para crescer, claro que esta ajuda é em troca de participação acionaria.

As vezes Orlando lembrava-se do que disse o rapaz, Jardel...Quem diria que o filho "dela" iria ter um dia com ele na empresa!

Parecia que haviam passado séculos desde os tempos de escola...

Bem razão tem, quem diz que o mundo da voltas, e quase sempre, vai parando no mesmo lugar ou nas mesmas estações.

"Estou em outra agora e não tem mais lugar para voce na minha vida. Lamento muito e fico com pena, se voce não compreender."

Foi tão fácil dizer aquilo para ela. Ainda lembrava das lágrimas que brotavam daqueles olhos.

Orlando não teve pena mesmo. "Era isso ou apodrecer naquela cidadezinha sem futuro". Pensava ele, e essa explicação aplacava a sua consciência agitada.

Queria que ela tivesse o acompanhado, porém a mãe estava doente ... Ela acabou por vir a seu encontro no Rio de Janeiro quatro meses depois, a mãe havia falecido. Orlando já estava envolvido por Cíntia, moça de família de posses e que tiha verdadeira adoração por ele.

Hoje Orlando tem um belo carro, roupas caras, e uma esposa tão linda que mais parece saída de um daqueles anúncios de creme dental. Perfeito!

"Como se arrepender de ter deixado a pobreza para traz?" Orlando pensava.

"Só me custou perder Alice." Foi obrigada admitir.

Orlando pensava que se alguns sabiam de seu pequeno pecado, já esqueceram faz tempo. Alias até ele, tinha esquecido.

Hoje Orlando queria, depois destas duas semanas de trabalho exaustivo, chegar cedo em casa, fazer uma surpresa para sua esposa. Passa na floricultura no caminho de casa e compra suas flores preferidas.

Ao chegar em casa não há ninguém, dirige-se ao quarto cansado, pois precisa de uma ducha e um drink para relaxar.

Ao abrir a porta do quarto seu olhar fica estático. Ali na sua cama, está a sua mulher com outro homem.

-Opsss... Que isso!

A mulher tenta se desvencilhar do rapaz e levanta ...

-Orlando! Deixe-me explicar, não é nada disso que está pensando.

- E o que é então... Quem é este ai!?

- Não é ninguém Orlando. Vamos para sala e eu te explico tudo, por favor.

-Coisa ridícula isso! Não explique faz favor, não vou suportar mais esta humilhação, ter que compreende-la em sua traição.

Nesta noite Orlando foi dormir num hotel, e só foi rever a "esposa" na frente do juiz, quando assinaram o divórcio.

Orlando se atirou mais que nunca ao trabalho, e em consequência mais rico ficava.

De tantas coisa que se faz na vida, o pobre sonha ser rico, e depois trabalha dobrado para manter a riqueza, enquanto que o rico nem liga, se ficar pobre.

Uma tarde de reuniões até altas horas, Orlando convida Jardel para um drink, ao que este meio constrangido e sem muita alternativa, aceita. Já sentados no bar próximo a empresa, os dois vão relaxando...

-Como está indo, sente-se adaptado já a empresa? pergunta o patrão.

-Sim, confesso que é muito revigorante o trabalho. Tudo muito funcional e desafiador. Nem esperava tanta tecnologia de ponta. Disse o rapaz entusiasmado.

-Estou contente também com seu desempenho profissional, um jovem bem promissor você. Aposto que logo será promovido.

-Obrigada.

- Telefone de Jardel toca. Ele pede licença. Fala discretamente e desliga.

-Vou precisar me ausentar amanhã senhor Orlando, se o senhor puder me dispensar, compenso no fim de semana.

-Algum problema?
-Minha mãe tem andado doente e amanhã vai receber os resultados dos exames que vem fazendo. Preciso estar por perto, para apoia-la. Mas volto assim que der. Qualquer dificuldade resolvemos online, pode ser?

-Pode sim, espero que corra tudo bem. Alguma suspeita de prognóstico?

-Sim... Câncer.
Sem saber o que dizer, Orlando retruca.
-Se precisar se ausentar mais, fique a vontade. E mande-lhe lembranças minhas.

Jardel acena positivamente e se levanta para sair

-Espere... Diz Orlando emocionado.
-Sim!
-Moram na mesma casa que era de sua vó? -Sim
-Morei na mesma rua também. Sabia que fomos namorados, e que quase me casei com sua mãe?
-Sabia.

-Acabei por vir para a cidade, me casei com Cíntia, e se tivesse filhos hoje teriam mais ou menos sua idade.

-Não gosta de filhos senhor?
-Nem cheguei a me perguntar isso, acredita! Cíntia não queria perder tempo, ou a silhueta, mas acho que não me incomodava de te-los tido.
Você lembra muito sua mãe, os mesmos olhos.

-Ela diz que sou igual a meu pai. Diz Jardel
-Tenho que ir seu Orlando. Obrigada pelo drink e pela conversa, tenha uma boa noite.
Orlando chegou em casa tarde, mas perdera completamente o sono.Tinha que pensar, em Alice.
Seu apartamento novo estava em arrumação ainda, afinal não gostava muito de morar em hotel, agora haviam caixas espalhadas pela sala. Sem sono, ele senta-se abre um velho baú onde guarda seu pertences antigos. Luvas de goleiro, Boné do time preferido, álbuns de família.

Olhando as fotos de criança com os colegas de infância, na escola, férias.Orlando acha uma sua com Alice no dia da formatura.Olhando mais atentamente ele fica pasmado. Aquele garoto ao lado de Alice era idêntico, ao Jardel!

Era de manhã e Alice estava preparando a mesa do café, enquanto sua filha estava no banho. A campainha toca. Ela sabe que é Jardel chegando e estranha. "Será que esse desmiolado esqueceu a chave!"
Ao abrir a porta Alice se depara com Jardel e Orlando.

Claro que tiveram muito o que conversar. Pois havia ainda a irmã que era gêmea de Jardel. Quando a mãe faleceu Alice foi ao encontro de Orlando esperando viver com ele o que tinham planejado antes, mas vida tem surpresas e nem sempre são agradáveis.

- Por que você não contou da gravidez ?
- Porque você me disse com todas as letras, "não há mais espaço para você na minha vida".
- E não me contar foi um espécie de castigo, certo?
- Certo. Ai Orlando, o que é certo nesta vida, me diz?
Achei que era a melhor coisa a fazer. Você nem quis me esperar, foram três meses longe e você já estava com outra! Nervosa, Alice respira fundo para continuar a conversa dolorida.
- Olha Orlando, não pense que foi fácil cria-los sozinha. Quantas vezes imaginei você voltando para mim, quero dizer para casa e ao reconhecer seus filhos... Ah deixa estar isso, que já faz tempo que parei de sonhar. Lamento por você não te-los visto crescer. Mandei Jardel para você, e sabia que logo você o reconheceria. É igualzinho a você, que acha?

Ele concorda com aceno de cabeça.
- Amanda está no banho, já a avisei que estás aqui. Espero que me perdoe por te-lo privado de seus filhos. Quando penso que estamos tão certos vamos fazendo, e foi isso que fiz. Agora percebo que haviam outras maneiras que sequer cogitei na época. Assumo meus erros e vou tocando...

"Ela está mudada. É o mesmo olhar, mas está diferente".

- Por que você resolveu contar-me agora?
- Simples, estou morrendo e não quero meus filhos sozinhos no mundo.
- Mas como vou amar filhos que não conheço, e nunca vi? Pergunta Orlando triste.

Comovida Alice retruca, abraçando-o.

- Poe ordem certa nisso ok. Primeiro você os vê, depois os conhece, e mais adiante você os ama.
Em menos de noventa dias, a vida de Orlando se transformou inevitavelmente, e sem que ele pudesse interferir em qualquer coisa. Ele só teve que viver, o quinhão que lhe tocava.
.. E o mundo continua dando a volta.

Guerreira Xue
                                              Imagem Antonio Fazendeiro

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