O PEREGRINO

Ele vinha cabisbaixo e empoeirado em seu caminho de peregrinação. Tinha parado algumas vezes no trajeto, para remendar as sandálias que, de tanto andar já estavam por pouco, para se perderem. Sabia que tinha que pagar aquela bendita promessa. Então que fosse agora, enquanto ainda tinha alguma energia no seu corpo que, de cansaço apresentava já alguns sinais de desgaste pelo tempo.

O Joaquim nunca tivera nada de seu que não fosse a própria palavra empenhada. e agora na meia idade se sentia, para além de manco, um velho amarfanhado pela idade. O homem não vivia lá com grandes alegrias, porém, respirava então, tinha que ser grato por isso.
É verdade também que o miserável poderia ter uma vidinha um pouco melhor, por instantes um breve sorriso aflora seu rosto enrugado. Ultimamente vinha se questionando muito. "Se pudesse ser diferente, eu seria. Se tivesse tido mais oportunidades também, aproveitaria. Uma chance de mudança, seria ótima." Rir de seus repentes de vontade era uma constante, e quem o visse assim, se rindo à toa e todo arqueado, acharia que certamente se tratava de um maluco desvairado. Quanto mais o sujeito andava, mais ele pensava, e mais ele ria..., mas, o Joaquim se encontrava no caminho de Santiago de Compostela, então quem o visse assim, não estranharia tanto pois ali se encontrava toda espécie de doido. Eram bruxos e bruxas para todos os gostos. "Que gente esquisita!" E Joaquim se ria de novo da própria observação. A visão daquele ser andando pela estrada de pedras com seu cajado era tão velha e rota, que lembrava os antigos profetas andarilhos, descritos nas epístolas da Bíblia.

Fazia uma semana desde que começara aquela caminhada, e sua mulher, ao convidá-la, nem quis saber de promessa coisa nenhuma. — Não fui eu a prometer qualquer coisa, vai tu, e manda lembrança para o teu santo.


Ele andava aos frangalhos já, e não se aguentava mais. Então sentou-se à beira da estrada, para beber o resto da água que carregava em seu bornal, precisava descansar um bocadinho. Feito isso, quando já se levantava, percebe um reflexo de metal entre as pedras, remexendo com o cajado descobre uma velha lamparina. E foi toca-la com as mãos que, dela saiu um gênio...
— Aí homem de Deus que tu quase me matas de susto! Disse de supetão.
— Quem não esperava mais encontrar alguém por aqui era eu, respondeu-lhe o gênio com cara de poucos amigos, mas já que estamos os dois, diz logo teus desejos para que cada um de nós possa voltar para suas vidinhas bestas.
— Que foi. Estás com pressa? — Disse o velhote matreiro a se rir. — Tens algum compromisso para agora?


— Não estou, pois eu sou imortal e o tempo para mim demora a passar. —Disse o gênio com uma ponta de arrogância na voz. — É que vocês humanos são cansativos e chatos.


— É mesmo gênio! Me conte mais sobre isso... A minha jornada é longa, então temos tempo ainda e vai ser bom ter companhia.
E assim foi, por uns dias. O gênio até que tinha uma certa simpatia por aquele miserável. Por vezes lhe dizia. — Podes fazer os teus pedidos quando quiser. — Ao que o outro retrucava.
— Quero pensar com calma. Até o fim da jornada eu digo as palavras que vão te liberar.
— Vais pensar o que? Estás velho homem, e se demorar muito, vais morrer. E depois, os teus desejos são muito fáceis, os humanos só pedem a mesma coisa sempre. — Joaquim solta uma sonora gargalhada que beira as lágrimas. — E que desejos seriam esses? — Fama, fortuna e mulheres. E tu, convenhamos a estas alturas já viveu muito, portanto se apresse. — O velho contradiz — Por isso é que preciso pensar. — E ainda rindo. — E olha, eu não quero mulheres, só quero uma, que me queira. Não quero a fama, e sim respeito, e quero ser novamente jovem para me livrar das dores, pois, que mulher quererá um velhote que não dá mais no "couro"? — Mas não me apresse agora — O gênio achou graça naquele velho malandro, queria prendê-lo mais tempo, só para ter companhia na peregrinação. — Então queres de volta a tua velha ou queres outra?


— Até queria a minha velha mesmo, mas, ela nem quer saber de mim, faz tempo. Então me dá outra boazinha, faz favor. E quero um dinheiro também para não precisar mais me preocupar com trocados, só para ter boa casa, um carrinho de passeio, uma criação, viajar quando chegar as férias etc etc...
Por vezes o velho também o especulava. Quantos anos tens gênio?
— Muitos e logo me livro desta lâmpada idiota...Só eu fazer aniversário de 3mil anos. — Não entendi. — Isso de realizar desejos é uma condição para a minha espécie. Ao cabo de 3mil anos nos libertamos. —Tens que realizar quantos desejos?
— Quantos aparecerem, e são três cada vez. — Alguma vez você não conseguiu cumprir os três desejos?
— Uma vez — Disse o gênio pensativo, porém ainda tenho tempo até meu aniversário, vou ter de achar uma solução para esta "pendência".
— Estás me dizendo que uma pessoa não quis os três desejos?!
— Sim. — Como o gênio se calou depois disso, o Joaquim ficou mais curioso ainda. Foi só durante o jantar que voltaram ao assunto. — Conta aí, como ela era? — Ela era uma menina interessante, e os tempos eram difíceis na época... — Interessante como? Conte-me faz favor.
— Havia uma grande guerra na terra dos homens, quando ela me encontrou no meio dos escombros. Eu já havia visto outras guerras, presenciado catástrofes antes, mas esta era diferente.
Me lembro que ela arregalou os olhos ao me ver e quando lhe falei de realizar seus desejos então, me pegou pela mão e me levou até um casarão enorme e escuro, que num primeiro momento parecia um total deserto... Ela olhou em volta para certificar-se que ninguém nos seguira e assobiou em seguida, e no escuro mesmo fui percebendo movimentos e quando dei por mim estava rodeado de crianças... Ela pediu-me para esperar mais um pouco e sumiu, trazendo a seguir crianças, nunca havia visto tantos juntos. Depois de algum tempo ela veio para mim e disse em voz baixa:
— Quero que todos aqui presentes nunca mais passem fome novamente.
Foi a primeira vez, em toda a minha existência, que alguém pediu algo que não era somente para si. Pensando agora naquele episódio, acho que Sury nem se achava criança, pois era ela quem cuidava de todas as outras. — E não haviam mais velhos no grupo? — Claro que haviam, mas era a ela que obedeciam.
— E a menina nunca mais pediu nada para você? E você ficou por perto a vida toda esperando-a pedir? — Sim, e como eu ia cumprir aqueles outros dois desejos sem estar próximo? — O gênio parecia nem lhe ter ouvido e continuou a olhar o passado dentro de si.
— Quando o tempo passou, e a guerra acabou ela era moça já. Uma vez se apaixonou por um rapaz que não a quis, que idiota! Eu disse-lhe que podia faze-lo apaixonar-se, mas ela não deixou. — Se ele não me ama, é porque é de verdade o sentimento, então não adiantaria enfeitiça-lo, isso seria como viver uma mentira.
Ela foi ficando velha e eu disse-lhe que se quisesse poderia ter juventude, era só pedir! E de novo ela não quis, disse que morrer em certos momentos da vida era dádiva.
E no dia que ela estava morrendo, disse-lhe que poderia ser eterna. E se ela não fizesse seus dois desejos agora, eu também não seria livre quando chegasse a minha hora...Ela olhou-me nos olhos com um sorriso doce e disse. — Fostes tudo para mim nesta vida. Achas que poderia eu desejar mais o que? Faça você meu querido, os desejos por mim.
Joaquim reparou no olhar pensativo do gênio. “seria possível que tenho aqui um gênio apaixonado!”
— Então está feito. — Disse o gênio, quando acabou a peregrinação.
— Tudo isso tem preço Joaquim, e para conseguir manter o que pediste, tens que merecer. Terás de aprender a ver as pessoas a tua volta, ler livros, viajar, ou peregrinar e fazer algo pelo teu semelhante. Atente para as pequenas coisas, por vezes essas são infinitamente mais importantes do que as grandes. — E o velho escutava atento. — Do contrário, serás jovem e bonito por fora e velho, triste e feio por dentro. Eu vou agora, mas, se precisar de ajuda me liga neste número qualquer dia, menos na terça, que tenho dentista. Risos... O gênio era um matreiro e sabia perfeitamente que ninguém lhe procurava mais, depois dos desejos atendidos, mas, ainda assim gostava de brincar com as possibilidades.

Joaquim voltou para casa e não demorou muito, ele recebeu a notícia de que um parente distante tinha morrido, e deixado uma grande herança para ele, com isso ele teve a sua casa espaçosa e deu vida boa para a mulher velha que, ainda continuava a não o querer, e que volta e meia o questionava— O que te aconteceu na peregrinação homem? Saístes daqui um velho cocho e acabado e retornastes outro, forte e robusto. Ele olhava com carinho para ela. — Devias ter ido junto comigo mulher, talvez, tu tivesses também mudada. — Quem é que sabe! — Uma vez ela percebendo que o marido ficava mais jovem e bonito a cada dia, e não mais dava conta da organização da casa, sentindo-se cansada, então pediu para dar-lhe o divórcio, arrumou suas coisinhas e foi viver numa casinha simples, no interior, mas não sem antes arrumar-lhe uma boa cozinheira. Uma moça simples, jovem e boa de serviço. Novamente o destino deu uma “mãozinha”, pois não demorou muito para Joaquim cair de amores pela jovem e ela parecia corresponde-lo intensamente.
E a vida foi correndo bem para o velho moço...Ele aprendeu a conversar com todos, começou a ler os livros, aprender idiomas, construir coisas... Aos poucos foi percebendo em sua volta o que nunca havia notado antes. No mundo há pessoas que precisam de ajuda e Joaquim, que agora não tinha mais dores, mas lembrava bem delas tornando-se acessível e solidário para os demais. De repente, o velho rabugento, tornou-se popular generoso e bem quisto por toda gente.
Passou o tempo e Joaquim queria viajar...Andava inquieto que até sua mulher nova pressentia. Ela era apaixonada por ele, mas adorava cuidar da casa, então disse-lhe: — Quer viajar viaje, mas volte para a casa e para mim. Não sairei do lugar, prometo.
Joaquim procurou no baú um cartão de telefone que havia guardado há meses e falou alto? — Que dia é hoje? — Quarta-feira — Disse a mulher. — Vou telefonar para um amigo. — Alô gênio, lembra de mim? Pois é, eu tenho uma proposta vantajosa aqui, podes vir para conversarmos? Se não hoje, diga quando, que te espero. — O gênio não poderia ter ficado mais surpreso, mas, respondeu de pronto. — Pode ser amanhã na hora do almoço? — Pode. Te espero então. Olha, tu já resolveste aquela questão de pendência dos pedidos?


— Não. — Então, eu tive uma ideia e penso que sei como vais resolver isso. Venha que falaremos com calma. Outra coisa, como é o teu nome, não posso te tratar por gênio na frente de minha esposa, certo? — Certo! O meu nome é Maximus. — Então vou te apresentar como o meu amigo Max.
No dia seguinte, O gênio compareceu na hora marcada a residência de Joaquim, conheceu sua jovem esposa e saboreou o melhor da culinária local.
Durante o almoço a conversa transcorreu afável. — De onde tu és Max? Se me permites perguntar. Tens um sotaque bem diferente. — Sou egípcio senhora, mas ando pelo mundo todo.


— Meu marido o tem em alta conta, então para mim, a tua pessoa será sempre bem vinda nesta casa. — Muito obrigada senhora, que as bênçãos dos deuses recaiam sobre vossa morada e que nunca falte o pão para repartir com quem quer que seja.
Depois de servir a sobremesa, a jovem se retira alegando precisar descansar e os deixa.
— Vamos andar Max, quero que conheça a propriedade.
Durante o passeio. — Estou ansioso para ouvir o que tens para me dizer Joaquim. — E eu para contar. Quando é teu aniversario Max? — É em março, no dia 19. — Que curioso isso, fazes aniversario no mesmo dia que eu! Como já gastei meus pedidos todos, então proponho uma troca...Quero viajar pelo mundo e gostaria que fosses meu companheiro de jornada, ninguém melhor que você conhece o mundo e em troca, te livro da tua pendência. — O gênio escutava calado enquanto, Joaquim continuava...
— Arrumo tudo e saímos amanhã ao nascer do sol... Voltaremos para casa a tempo de comemorar o nosso aniversário, e a tua liberdade, que acha?
O gênio sabia que se havia alguma possibilidade de se safar da famosa pendência, seria este homem quem o ajudaria. E curvando-se levemente, ele disse. — Será um prazer acompanha-lo na sua nova jornada sábio.
— Amigo, chama-me pela alcunha de amigo. — E apertando as mãos, os dois selaram o acordo
E de novo Joaquim saiu de casa em peregrinação, só que desta vez, com um outro olhar. Com tantas gentes, tantas línguas e um amigo para partilhar.
Passaram os meses rapidamente e quando de volta ao lar, foram recebidos com festa e alegria. Chegaram em casa justamente no dia do aniversário de ambos.
No fim do dia...
— Bem meu gênio companheiro, chegou a hora da minha paga.
Hoje completas teus três mil anos. E por acaso tens dois pedidos pendentes. Certo? — Certo!
Eu vou te explicar, o que fazer. Ela te pediu que fizesses desejos por ela. Então o segundo pedido será; tu trazeres a tua amiga de volta a vida, mas no teu desejo pedirás que ela tenha idade da juventude ainda, pode ser quando ainda sentia paixões. E vais contar a ela a verdade sobre tua libertação e dizer também dos teus sentimentos reais para com ela. Lembra-te que, ela podia ter desejado enfeitiçar qualquer um que quisesse, mas não o fez porque ela queria sentimentos reais e verdadeiros. Fingistes estar com ela somente por causa dos desejos, mas, não fostes sincero. Agora é a tua oportunidade.
— E o terceiro desejo? — Deixe que ela se encarregue do último desejo. Pois esse é o livre arbítrio dela. Depois de saber a verdade sobre ti, ela terá duas escolhas, ou voltar a ser uma morta ou querer viver contigo. — E sorrindo, o Joaquim abraça o confuso gênio. — Seja bem feliz com mulher que tu amas meu amigo.
E de repente, o gênio o fitou com um olhar diferente, esperançoso.

Continua ...
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Comentários

  1. Aiaiai... Mais um de final incerto... Sempre dá água na boca.
    Conte-me: o Max conseguiu trazer a moça? Afff que curiosidade! Kkk
    Bjusss

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  2. Um Conto não igual mas tem semelhanças de outros caminheiro da dos caminhos de Santiago.Eu confesso não sou de ler livros seja qual for o género escritor e esta sra pos-me a ler 30 minutos nuca tinha lido depois do desenhos animados do speedy Gonzalez ou o rim tim-tim. obrigado(Eu próprio já fiz viagem idêntica mas sem o énio)

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