TODOS OS DIAS, TUDO IGUAL

... Todos os dias, no mesmo horário, Renata atravessava as ruas da cidade, para ir ao curso verão e ao chegar perto da estação, olhava para a mesma janela do primeiro andar de uma casa, talvez esperando ver alguém. Pois essa chamava atenção porque estava sempre aberta, com as cortinas pelo lado de fora. Nunca aparecia ninguém. Ela então continuava seu caminho pensativa, até que um dia...
Sua bicicleta quebrou e a menina teve que voltar para casa, perdendo a hora da estação, e daquela janela. Andava mesmo cansada daquela rotina. “Que vida besta”.
Sua mãe, uma senhora que adorava fritar bolinhos todas as tardes, disse-lhe de chegada, que tinha uma correspondência para ela.
Ao ler o telegrama a menina levou o maior susto, tanto que precisou sentar-se na cama colocando a mão no coração, como para acalmá-lo. Seu pai preocupado, sentou-se ao seu lado e procurando tranquiliza-la pegou o telegrama de suas mãos, o velhote quase engasga ao ler, pois sua filha estava sendo notificada que a madrinha, que tinha falecido há quase três meses, deixara seu legado para afilhada. — Meu Deus, tu estás rica minha filha!
Mas Renata era, por natureza, desconfiada. Leu de novo o telegrama e pegou o telefone para ligar para o número que constava no texto.
Atendeu uma voz de secretária que disse-lhe haver um horário naquela mesma tarde para recebê-la. Ao olhar o relógio ela concordou, daria tempo. — Os advogados da madrinha me esperam as 18 horas. — Disse ao desligar o telefone, mal se aguentando de nervoso. O pai ficou muito entusiasmado e a mãe parando de fritar os bolinhos, sorriu já imaginando o que fazer com a dinheirama.

Renata arrumou-se com esmero e foi ao endereço indicado. Qual não foi sua surpresa ao se deparar com Ricardo o sobrinho da madrinha de Renata, que ao cumprimentá-la foi extremamente rude. — Então és tu a contemplada? Se pensas que vai levar o que é meu por direito, estás muito enganada mocinha! — Sem entender nada, Renata fica vermelha e calada.
O pai não gostou nada da recepção, aquilo que parecia tão fácil antes, agora já se complicava. O pai acompanhou-a porque ainda tinha 17 anos, portanto ainda menor de idade.
Uma vez todos presentes na suntuosa sala dos advogados, começam a leitura do testamento da madrinha falecida. Depois de toda a leitura, veio a divisão dos bens e uma clausula final. "Para que meu sobrinho Ricardo e minha afilhada Renata recebam tudo que lhe foi destinado, terão de ser casar, em até seis meses a partir da abertura deste testamento, e permanecerão casados por pelo menos 5 anos, não poderão divorciar nesse tempo, devem viver sob o mesmo teto, administrar as empresas, e manter as entidades socias como está estabelecido anteriormente. Se assim não acontecer, será aberto meu segundo testamento, onde relaciono as entidades sociais que se beneficiarão de meus bens patrimoniais."

Meu Deus! — Disseram em uníssono. — Ficaram atônitos. Ricardo foi o primeiro a se pronunciar. — Mal acabamos de nos conhecer e já teremos que se casar? — E Renata murmurava — E ficar casados por cinco anos? — O pai de Renata ficou estupefato e não conseguiu emitir sequer um som, olhando de um para o outro. Então Renata pediu para o tabelião ler novamente a cláusula e ele o fez. Ela então, olhando direto para os olhos de Ricardo, disse irritada: — Ficamos os dois então, sem porcaria de herança alguma certo! — E feito aquelas damas de cinema antigo, ela levanta-se dando por encerrada a reunião. — Boa tarde a todos! Vamos papai. — Muito a contra gosto, Ricardo pondera: — Espere, faz favor. — A moça vira-se lentamente...
— Acho que começamos com o pé esquerdo. Peço desculpas pela minha grosseria de antes. Estava revoltado, pois tinha certeza que era seu único herdeiro. E agora mais isso... Como vamos nos casar, se nem sequer sabíamos da existência um do outro? — Pois por mim, tu podes continuar revoltado.

Ricardo tenta desesperadamente coordenar as ideias; — Olha, tem um jeito de tentarmos resolver isso. A gente tem um tempo e este tempo podemos utilizar para nos conhecermos melhor. O que você me diz?
— Digo que ainda estou muito distante de pensar em me tornar noiva, o que dirá casada, e muito desconfortável com essa situação. Podemos ganhar tempo ou perder, a gente tem se conhecer melhor, mas sem compromisso, combinado?
— Combinado! — respondeu Ricardo com seu melhor e mais sedutor sorriso, já antevendo os prazeres daquela obrigação.
Então, o pai de Renata chegou perto do casal e disse: — Vocês são adultos e eu espero sinceramente, que sejam coerentes quanto a esta situação estapafúrdia. Amélia, sua madrinha, era uma romântica incorrigível, mas isso ultrapassou todos os limites do bom senso. E dirigindo-se aos advogados:
— Este testamento pode ser contestado? Eles podem alegar a insanidade mental de Amélia? — Podem sempre contestar sim, mas acho pouco provável que ganhe. Além do que, uma das testemunhas é seu médico, que pode atestar as plenas faculdades de sua paciente. E perdendo o processo, os dois ainda vão perder tempo, pois o tempo estipulado para os dois resgatarem a herança é de 5 anos e meio. Do contrário, tudo irá para a caridade. —Tudo?
— Tudo. E uma vez casados vão morar na mansão e terão direito a uma quantia mensal, produto das empresas e mineradoras.
Ambos também vão, imediatamente ser admitidos para aprender como estas funcionam... terão treinamento em todos os segmentos para quando assumirem, em cinco anos estejam preparados. — Mas eu nem estou na faculdade ainda! — Renata não sabia nem em que pensar. — Terá tempo para isso. — respondeu o tabelião. — E eu posso ajudá-la. Estou no último ano da Faculdade de Economia. — Retruca Ricardo.
— Bem, mas ainda tenho uma dúvida. Quem vai administrar a "nossa" fortuna enquanto não pudermos assumir? — perguntou Renata franzindo a testa. — Um conselho de administração liderado pelo Dr. Alberto Cerqueira.
— E quem seria ele? - perguntou o pai de Renata. — Eu... - respondeu um senhor altivo com cara de poucos amigos. — E que ligação o senhor tem com a Amélia? Ou melhor dizendo, tinha? — Além de seu tabelião, fui seu advogado por quase 20 anos e antes disso meu pai o foi. Portanto serei seu advogado até que esta questão esteja resolvida. Porém, se quiser consultar a outros colegas, fiquem à vontade.
O senhor Ricardo já é maior de 21, portanto pode assumir funções, mas ambos ainda terão de estagiar em todos os setores. Não se preocupem, as empresas andam praticamente sozinha a quase 7 anos.
Dona Amélia sempre dirigiu tudo de forma muito inteligente e precisa. Se cercava de gente competente, e de dois em dois anos ela contratava uma empresa diferente para uma auditoria geral. Tem um conselho administrativo que faria inveja a um Rockefeller, portanto está tudo bem guarnecidos
— Bem, acho que não nos resta outra saída a não ser aceitar as condições de minha tia. — Disse Ricardo olhando sua "noiva". "Agora só falta saber o que farei com a Cíntia”. Pensou em sua namorada linda, charmosa e engraçada. "O que ela vai achar de se tornar minha amante?"

Renata sabia que precisava dizer qualquer coisa... Sentia-se naqueles filmes clichês. A madrinha não se casou, deve ter pensado que isso seria um grande romance. “Que merda”.
—Bem, tenho quase dezoito anos e bem pouca experiência de vida. Nem sei se você é desimpedido ou o que faz na vida. Concordo em me casar com, mas antes temos que nos conhecer, saber do que tu gostas, do que eu gosto, por onde anda... Enquanto isso, vamos preparando o casamento. Quero uma festa bonita, mas íntima. E quero me casar na igreja, com tudo o que tenho direito. Como farei dezoito anos em agosto, daqui a quatro meses, proponho nos casarmos no dia do meu aniversário. Concorda?
— A minha vida é um livro aberto e não tenho nada a esconder. Portanto concordo com tudo, inclusive com a data do casamento.
— Outra coisa, tenho mais uma condição, mas só a direi para ti. É uma condição pessoal. — O pai intervém — É algum problema, minha filha?
— Nenhum que eu queira compartilhar com tanta gente papai. Mas não se preocupe. — O Advogado interrompe. — Então vamos dar continuidade no processo de inventário, e o escritório está a sua inteira disposição.
Despedem-se, e já na saída marcaram um novo encontro a sós, Ricardo e Renata. Tinham que além de se conhecerem, forçarem uma intimidade que não tinham. "Realista, tenho que ser realista". — Só dizer onde e quando. — Respondeu Ricardo. — No parque dos lagos as 16:00 amanhã, está bem para ti? — Claro que estava...Era melhor decidir aquilo e logo.
No dia seguinte.
— Comecemos então...Se vamos nos casar. Meu Deus!!! Vou casar por dinheiro. — Não diga assim, faz favor. Tu tens namorado? — Não tenho e tenho...Ai, sei lá...Gosto de um garoto aí. As vezes saímos, mas nada sério. E Tu? — Tenho Cintia estamos juntos tem dois anos... Sabe o curioso disso? A tia Amélia a conhecia. Contei-lhe tudo sobre o testamento ontem. — E ela concordou? — Ela disse que eu e tu que tínhamos que resolver isso. Perder este patrimônio todo seria no mínimo um verdadeiro desperdício.
— Ela vai ser sua amante então, se decidirmos casar. — Confuso com a franqueza de Renata e rapaz retruca. — Concordarias tu, se casar comigo sabendo da existência dela? — Pensando assim, eu percebo que minha madrinha nos arranjou um bocado de dor de cabeça. Quero ser franca contigo e gostaria o mesmo de sua parte.
— Olha, viver sobre o mesmo teto pode ser difícil para quem se ama, e nós não nos amamos, mas se nos respeitarmos, quem sabe. Podemos ser amigos e seguiremos algumas normas de boa convivência, e não quero me sentir obrigada a ser sua esposa de fato.
Casar e morar junto nem sempre significa sexo ou afeto. Não somos crianças e podemos firmar um acordo aqui. Tu ficas com a tua mulher, discretamente claro, pois temos que convencer os advogados, e eu também vivo minha liberdade. Serão 5 anos e meio. — Desanimada ela emenda: — Oxalá consigamos esta façanha. — Ricardo olha fixamente para ela.
— Sabe que tu és uma mocinha encantadora. Estou muito admirado de tua maturidade. Vou pensar nisso e conversaremos depois, pode ser?
— Claro! Acho que agora somos amigos, não é? — Sim, amigos...
E assim foi. Ricardo e Renata casaram-se em agosto, no dia do aniversário dela. Foi uma festa íntima e de muito bom gosto. Passaram a Lua de Mel em Paris, já que nenhum do dois conhecia esta cidade. A viagem acabou sendo muito divertida para ambos enfim. De volta para casa, eles retornaram à sua realidade e à herança que os esperava. Renata começou a faculdade de administração e Ricardo concluindo  a pós graduação em engenharia. A amizade se solidificou e passaram a contar muito um com o outro. Intimidades? Bem... Só o futuro dirá.

Guerreira Xue /Suzana Palanti 

                                                             Imagem Net

Comentários

  1. Amei esta parceria querida Hilda, minha Guerreira preferida...
    Bjussss

    ResponderExcluir
  2. E lá se vão 7 anos... Aforei, nas ao ler de novo, percebi que faltou uma boa revisão... Kkk
    Vamos de novo?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas