A MULHER QUE NUNCA...

Todos os dias aparecia no restaurante com um homem diferente. Os clientes mais assíduoas sabiam que alguns desses homens eram repetidos, que eram os mesmos mais do que um vez por mês, mas nunca por semana, que os homens cansam e mais vale variar do que estar sempre a aturar o mesmo. A razão mais óbvia que arranjara para si própria era não gostar de jantar sozinha. Era muito bem capaz de pagar o jantar a um homem só para ter companhia. E porque não a uma mulher? Por ser mais fácil lidar com os homens, por a maioria não pensar muito na vida e não recear as consequências de aceitar um convite para jantar. Alguns recrutava-os pela Net, com o pré-requisito de viverem na mesma cidade que ela, para não terem de se deslocar por causa de um simples jantar. Nunca havia mais nada para além disso, amizades reais e virtuais, troca de telefonemas, idas ao teatro e aos festivais de verão. Na verdade, não se sentia atraída pelos homens, nunca se sentira, a maioria são feios, brutos, demasiado desastrados e querem que as mulheres sejam também mães deles. Não tinha nascido com o instinto maternal e não queria tomar conta de ninguém, para varia até lhe ia saber bem se alguém tomasse conta dela!
Um dos dias em que se sentia demasiado preguiçosa para atender o telemóvel  telefonar a alguém ou recrutar um pacóvio na Net, resolveu que mesmo antes de entrar para o Restaurante encontraria um cromo para a acompanhar. E foi aí que deu de caras com o homem mais estranho que alguma vez conhecera, um misto de Monty Python com Obelix e Gerard Depardieu na Idade da Pedra (Rrrrrrr!). Ele perguntou-lhe, em francês, se sabia de algum restaurante razoável nas redondezas, ela disse-lhe para vir com ela, que lhe oferecia o jantar. O homem até corou, se calhar nunca nenhuma mulher se tinha oferecido para lhe pagar um jantar ou então só tinha saído sempre com homens e as mulheres intimidavam-no ao ponto de ficar com cor de indio. Seja como for, aceitou, depois de pigarrear um pouco, insistindo que se ela o convidava, então devia ser ele a pagar-lhe o jantar. Que mania os homens têm de pensar que controlam tudo, resmungou ela, não, desta vez sou eu a pagar-lhe, não insista mais. Posso tratá-lo por tu? É francês? Mesmo de França, não é emigrante nem filho de emigrantes? Bem, se é para falar francês, então tenho mesmo de beber mais do que o habitual, porque só consigo esse sotaque quando a bebida me amacia as cordas vocais!
Quando a viram entrar todos se calaram, era a primeira vez que vinha acompanhada de um latagão daquele tamanho, até as escassas moscas deixaram de voar, o silêncio só foi cortado pela voz suave do homem das cavernas: C'est bien ici? Ela assentiu, claro que sim, por mim pode ser em qualquer lugar, é este o meu restaurante preferido e sei-o decor, sinto-me bem em todo o lado. A minha sugestão é comermos bacalhau, já que não és de cá, assim ficas a conhecer os pratos típicos, posso escolher eu? Podemos optar por petiscar em vez de jantar de faca e garfo? Então vamos lá, duas choras, duas pataniscas, dois bolinhos de bacalhau, uma bola de bacalhau, uma punheta (ou salada de bacalhau), seis línguas e uma cara de bacalhau. Pedimos acompanhamento de arroz de feijão? Vinho da casa, pode ser? E depois, se ainda tivermos fome, podemos pedir o pão com bacalhau, mas o mais certo é não querermos mais e terminarmos tudo com aletria ou com o célebre arroz doce, que eu não como, prefiro leite creme! Tenho pena que aqui não façam iscas, à moda de Porto, com as fatias grossas de bacalhau envolvidas em farinha e ovo, adoro iscas de bacalhau!
A partir dessa noite nunca mais precisou de procurar companhia para o jantar, ele combinava logo com ela para o dia seguinte e lá estava à porta à mesma hora. Falava numa voz suave,  pagavam o jantar à vez, não a incomodava e nunca lhe pedia nada em troca. Ele decidiu vir viver para Portugal por causa dela, ou melhor, daqueles jantares com ela. Depois de pagarem saiam e ainda iam juntos até ao final da rua, desciam a avenida e depois cada um ia para seu lado, como dois amigos que sabiam que no dia seguinte se voltariam a reencontrar. Nunca sequer falaram em encontrar-se antes ou depois de jantar e só em Agosto se separavam para cada um ir de férias para longe do restaurante onde habitualmente jantavam. Estamos em Agosto, ela está em Espanha a passar férias, no Cabo da Gata, com uns amigos montanhistas, mas hoje apetece-lhe jantar num restaurante tipico em vez de comer no parque de campismo. Dá um passeio pela aldeia e fica parada em frente a um restaurante a ver a lista, ele pergunta-lhe: C´est bien ici? Ela sorri, estava à tua espera, ainda bem que não te atrasaste!
Guerreira Xue

                                   Imagem Net

Comentários

  1. CÁ ESTOU EU MAIS UMA VEZ HILDA PARA COMENTAR ESTA BELISSIMA HISTÓRIA; O MEU PRIMEIRO VOTO VAI PARA O DESENHO ESCULTURAL K ILUSTRA O CONTO, MUITO BONITO. QUANTO À SITUAÇÃO DE UMA URGÊNCIA HOSPITALAR K AQUI RESTRATAS É MESMO UM DRAMA SENTIR O ABANDONO NÃO SÓ NOSSO COMO DOS DEMAIS K ALI SE ENCONTRAM, ESTANDO ESTES POR VEZES PIORES K NÓS! MAS QUANDO FINALMENTE NOS LIVRA-MOS DESTE "INFERNO" E VOLTA-MOS AO NOSSO HABITAT É K SENTI-MOS A TRISTEZA K ALGUMAS PESSOAS TÊM EM RELAÇÃO À MORTE SÓ PORQUE NÃO SÃO NEM NUNCA FORAM IMPORTANTES PARA ALGUÉM.

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    1. Belíssimo comentário amiga.Só enriquece meu blog,obrigada.:-)

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  2. GOSTEI DA MANEIRA COMO A HILDA DESCREVEU ESTA TRISTE REALIDADE. COM O TEU PODER NARRATIVO CONSEGUISTE LEVAR-ME A ESSE HOSPITAL E OBSERVASSE IN LOCO TUDO ATÉ AO MAIS INFIMO PORMENOR. LIA O AO MESMO TEMPO LEMBRAVA-ME DO DE PROFUNDIS, VALSA LENTA ESCRITO PELO JOSÉ CARDOSO PIRES QUANDO TEVE UM AVC E ESTEVE INTERNADO. TAMBÉM ELE DESCREVEU TUDO O QUE OBSERVOU. HILDA, PARABÉNS POR ESTE TRABALHO.

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