CARVALHO

-Sabe aquele sem-vergonha? Pois é, este sou eu. Aquele safado que sempre está disposto a ajudar uma necessitada? Euuu! Assim tenho vivido e muito bem obrigado. Risos
Assim era meu amigo Carvalho. Até seu nome parecia contribuir bastante para a sua fama de sedutor de mulheres. É bem verdade que ninguém era vítima, todos adultos e que pareciam estar num mesmo consenso. E o que valia mesmo era a diversão.
Eu pessoalmente, achava-o gentil e inteligente e muito engraçado. Ele carregava uma certa ansiedade no olhar e  parecia que sempre estava à espreita, à espera de presa.
Quem o visse em sua aparência pacata nem imaginava. Um velho marujo cheio de histórias e aventuras, casado, e bem casado segundo ele, e que agora era involuntariamente reformado.
Sorrio quando falo de meu amigo querido...Por muito tempo eu ainda imaginava ouvir suas anedotas, e me ria sozinha.
Carvalho me lembrava aqueles cães famintos sabe, não importava que já estivesse comido, sempre estava alerta.Também fazia questão de dizer que era um amante das mulheres.
Certa vez que estávamos todos numa roda de conversa, próximo estava uma amiga comum que nos apresentou uma a outra, não lembro o nome agora. Pórem, depois que ela se retirou percebi o interesse de Carvalho e eu observei:- Ela é feia e tem pernas finas Carvalho.
Ele de pronto respondeu:- Olha, percebe-se que voce não entende disso, vou dizer logo. Não existe mulher feia, isso é tabú, também pensava isso uma vez.
Já tive mulheres lindas, e afirmo de certeza que só existem dois tipos delas: as que tem fantasias e as que não tem.
Sinceramente quero confessar que nunca tinha conhecido tão de perto alguém tão cara-de pau...Este era o Carvalho, hehhee !!
Eu observava este macho predador como se visse um espécime raro, aquela sua franqueza me encantava e me deixava deveras curiosa .
Lembro-me da primeira vez que nos falamos, por acaso o que mais me chamou a atenção foi ele dizer logo de cara seu estado civil. Eu fiquei ali pasma olhando para ele.
Que quer dizer? Perguntei contrafeita. Ele pareceu-me perder o prumo por um momento. Pediu desculpas mas sempre que tinha oportunidade dizia:
- Adoro mulher assim. Amo mulher assado. Risos...E eu  me divertia muito.
Neste dia fui embora pensando naquele sujeito tão prosaico.
Na verdade há muitos homens como ele, que apreciam todas as mulheres! Um dia a mulher com quem se casara descobriu que ele se metia com todas, e nem entedi direito como ela demorou tanto tempo para perceber, ouviu um grupo de raparigas a falar dele numa conversa de café, ficou tão danada quando se apercebeu de quem falavam, que ia tendo uma ataque cardíaco.
Cuspiu o café, verteu o sumo e ainda se engasgou com a trinca na metade da torrada biju que tinha acabado de colocar na boca. Pôs tudo em pantanas quando chegou a casa e disse-lhe olhos nos olhos que, ou deixava de se armar em parvo ou lhe punha as malas à porta! Ele preferiu deixar de se armar no que na realidade já era há muito tempo, por isso começou a vir directo do trabalho para casa, a vir ter com ela à hora de almoço e deixou de ir jantar com o grupo de amigos machões com quem só falavam de mulheres.
Depois de se ter conseguido comportar decentemente durante um mês começou a ficar em polvorosa, faltavam-lhe as outras mulheres!
 Foi aí que começou a ir para a net procurá-las, primeiro para sites pornográficos, depois para páginas de encontros virtuais, mas finalmente decidiu criar um avatar e tornar aqueles encontros mais corpóreos. Foi a Ana que o convenceu. Ana O., uma ilustre desconhecida que só falava com ele pelo facebook, mas que lhe disse que era no Second Life que tinha encontrado todas as suas verdadeiras paixões.
Enquanto a mulher com quem se casara trabalhava à noite no computador, ele punha-se em frente a ela, no seu portátil, a dar largas às parvoices de macho português.
- É verdade sim. Minha amada esposa me pegara no flagra há alguns anos. Contou-me o gajo uma vez.
Costumo sempre ouvir e acreditem, ouço coisas incríveis! Fazer julgamentos precipitados não é minha "praia". Alias, nem juíza sou, graças a Deus.
-Me senti um "farrapo ". Continuou ele...-Um vadio sem préstimo mesmo . Me policiei, me auto puni...quase me separei. Nosso sexo não era ruim, sabe. Mas por questões de ordem cristã talvez, sei lá, minha mulher tem muitos pudores. Respeito isso... Claro que respeita!
-Não nos separamos afinal e por fim acomodamos a nossa situação. Somos bons amigos. Dedicados um ao outro mas sexo nunca mais tivemos desde então. E se por acaso menciono qualquer coisa neste sentido ela é bem contundente. Diz para me satisfazer com minhas vadias.
Ele deu um leve sorriso e disse a seguir.
- É o que faço agora sou um sem vergonha assumido. Gozo o que posso sem culpa.Tento não magoa-la mais. O que os olhos não veem o coração não sente. Entende?
Olhando aquele homem ali, se mostrando de uma forma tão real, revelando-me uma coisa tão íntima, fiquei sem ação.
Depois fui embora pensando: O que faz um homem viver num casamento sem sexo?
Sejamos francos, um casamento sem sexo não é um casamento, é no mínimo uma sociedade talvez.
O que faz uma mulher se sujeitar a uma vida privada do prazer, do calor, do carinho, e do companheirismo e porque não dizer ,da alegria que há no sexo também? Caramba!
Isso mais me parece aquelas prisões, onde o condenado pode fazer quase tudo, menos sair.
Será o medo de enfrentar o futuro e os riscos que a vida oferece lá "fora"?
Estes dois parecem crianças. Não se querem porém, perdem qualquer oportunidade de encontrar alguém que os queira. Acorrentados por um suposto compromisso social. Bla, blá, bla´....
Esta história me intriga bastante.
Falávamos sempre que tínhamos oportunidade. Como disse antes, Carvalho era apreciador de boa conversa. Por vezes eu pensava: Nos divertimos tanto ontem. Não vou aborda-lo hoje, vai ser chato porém, quem abordava era ele. E não era chato.
Claro que, minhas amigas tinham uma curiosidade de saber que diabo de amizade era aquela.
- Qual é a sua? Matilda perguntou uma vez, estão namorando?
- Risos... Claro que não menina. O sujeito é casado, percebe. Amigos mesmo.
- Sei não, tem alguma coisa no ar, respondeu Matilda.
- Deixe de coisas garota. Só um bom amigo, e depois ambos temos compromisso.
- Ainda bem, respondeu a amiga aliviada. Digo isso por que conheço Carvalho de outros "carnavais". E demais a mais, voce e ele juntos seria quase que um "desastre ecológico"...Hehehe !!!
Surpresa com constatação, emendei logo.- Explique por favor.
- Sim. Qualquer tentativa de misturar azeite e vinagre...Agua e vinho. Mulher como voce, minha querida, Carvalho faz de tira-gosto.
Puxa vida!Quase que tive uma dor de barriga de tanto rir.
E sim, eramos só amigos, o problema foi quando ele me consegui convencer a criar um avatar e experimentar o Second Life! Deu-me a conhecer a noiva virtual, uma americana de cabelos que parecia acabada de sair de um salão de beleza, e as várias namoradas, que por acaso eram todas índias e inocentes, pois nem sabiam que ele estava noivo. Para além disso, ainda tinha amantes virtuais, daquelas que namoram com outros, mas que só vão para as bolinhas com os amantes. E isto só no Second Life, se aqui é assim nem imagino o que será na vida real! Mas como tem este homem tempo para tantas mulheres? Por esta altura ele dizia que fora do Second Life só tinha uma amante, de 80 anos, e eu fartava-me de rir com aquilo, até descobrir que eram duas, cada uma com quarenta anos!
As duas descobriram que ele era casado e que namorava com ambas, ainda por cima porque eram da mesma terra e ele andava a dar demasiado nas vistas! Encontraram-se uma com a outra para decidirem como resolver o assunto e uma noite, quando ele entrou no café da esquina para beber a sua cafézada com cheirinho, deu de caras com elas e com as respectivas familias. Tentou fugir, mas já estava cercado, levou uma coça tão grande que lhe serviu de emenda para se esquecer das mulheres na vida real!
A partir daí elas passaram a existir apenas no Second Life, mas mesmo assim a horas marcadas, porque a senhora que estava sentada no computador à sua frente não se acreditou na mentira de ter apanhado uma coça dos ciganos por ter roubado na feira uma carteira de marca para lhe oferecer!

Por vezes riamos juntos de todas as suas aventuras no universo feminino. Contávamos um ao outro o que diziam a respeito de nós dois. Eramos duas incógnitas sim. e chegávmaos a nos compar a bichos de goiaba. Ele curioso perguntava por quê.
O bicho de goiaba não acredita que existam bichos nas outras goiabas. Somos bichos de goiaba diferentes...Heheheh !!
Um dia tive de partir. Meu prazo em Portugal se esgotara. Foram dois anos de trabalho neste país tão parecido e tão diferente. Estudar costumes e pessoas no seu próprio ambiente nem sempre é fácil. Optar pela imparcialidade, relatar atitudes, buscar na fonte o que leva o sujeito a determinados caminhos.
Há quem diga que para saber precisamos viver. Pode ser. Eu pessoalmente vivo bem pouco minha própria história, bem pouco. Podia bem me classificar de "aventureira no mundo alheio".
Confesso que foi dificil me despedir de Carvalho. Ainda bem que estava indo embora.
Tinha noites que nem dormia pensando nele. Quantos momentos juntos!
A última vez que nos vimos ele disse-me emocionado:
- Se fosse outro momento, outro lugar. Não ia permitir que você partisse.
E fui embora com lágrimas no olhos...
A vida pode parecer igual para todos, e o que é certo é certo e ponto. E o que é errado é errado e ponto. Opssss...Não é bem assim.
Num mundo onde tudo deve ficar acomodado dentro de um contexto só se aceitam regras e jamais as excessões? Na arte da dissimulação muitos se escondem tão profundamente dentro de si, que quando vão a procura de seu "eu", não o encontram.
Por alguma razão que me é oculta agora, Carvalho se mostrava abertamente sem meias palavras. Se os demais viam o que eu via? Isso não sei.
Sempre que lembro de Carvalho, tenho emoções fortes. Vi um homem triste e solitário debaixo daquela aparência de garanhão das mulheres oferecendo uma troca a mulheres também tristes e solitárias.
E amor? Onde cabe isso?
Por um momento, encarei a minha própria solidão.

Guerreira Xue/ PaulaJ
Imagem Net



Comentários

  1. Ai Hildinha, Hildinha! Esse teu amigo Carvalho, logo teria que ser um portuga, e kum raios, assustei-me no principio da narrativa, porque quase me estava a ver, como um outro Carvalho. Sabes porquê? Devido á minha movimentação, interacção no facebook, contigo e com outras amigas. Mas à medida que fui lendo, fui ficando mais descansado, e disse para mim mesmo em vernáculo: porra... eu não sou nada como o palerma do Carvalho, uma ova é que eu sou.
    Olha amiguinha... poderia dizer-te mais um montão de coisas, mas não o digo, o Carvalho já me encheu as medidas. Quero bem que ele vá para o ca...(Cala-te Zé porque isso é vernáculo do mais ordinário)
    Resumindo, queida Hildinha, a tua narrativa está um verdadeiro mimo, adorei-a.
    Carradas de abraços, deste reu amigo Portuga.

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    1. Ai Zé!Este personagem mesmo que seja parecido com quem quer que seja ainda é fictício amigo querido.Fique tranquilo que estás longe de ser um "Carvalho".Obrigada pelo carinho.;-)

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